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Não os tendes?, insistiu ela. Nada posso fazer sem eles. Tratai de obtê-los, e
eu vos juro que então irei imediatamente a Paris, com um pretexto qualquer, e
farei com que cessem esses desregramentos. Em que posso ajudar-vos? Prevenistes
meu tio Valois? Ela estava de novo decidida, precisa, autoritária. Tive o
cuidado de nada dizer, respondeu d'Artois. Monseigneur de Valois é o meu protector
mais fiel e meu melhor amigo. Mas é exactamente o contrário de vosso pai. Iria
badalar por toda a parte aquilo que desejamos calar. Cedo demais daria o alarme,
e quando quiséssemos agarrar as debochadas, iríamos encontrá-las puras como
freiras... Então que desejais propor? Duas acções, disse d'Artois. A primeira é
conseguir a nomeação de uma nova dama de companhia para Mme Margarida, e que
seja pessoa nossa, que nos mantenha informados. Pensei, para isso, em Mme
Comminges, que acaba de enviuvar, e que é muito considerada. É nessa altura que
vosso tio Valois nos será útil. Mandai-lhe uma carta, expressando vosso desejo
e fingindo interesse por essa viúva. Ele tem grande influência sobre vosso irmão
Luís e, quando não fosse apenas para ter um pouco mais dessa influência, ele
faria Mme Comminges entrar prontamente no Palácio de Nesle. Teríamos, assim,
uma criatura nossa no lugar e, como costumamos dizer entre gente de guerra: um
espião dentro dos muros vale mais do que um exército do lado de fora.
Escreverei essa carta e vós a
levareis, disse Isabel. E depois? Seria preciso, ao mesmo tempo, dissipar a
desconfiança que vossas cunhadas têm de vós, mostrando-vos agradável e
enviando-lhes amáveis presentes, continuou d'Artois. Presentes que convenham
tanto para homens como para mulheres, e que lhes faríeis chegar secretamente,
sem advertir nem pai, nem esposo, como um pequeno mistério de amizade entre vós.
Margarida rouba no próprio cofre joias que oferece a um desconhecido, e seria
realmente muito pouca sorte da nossa parte se, dispondo de um presente do qual
não teria de dar contas, não viéssemos a encontrar o nosso objecto nas mãos do
rapagão em referência. Tratemos de fornecer-lhes motivos para imprudências. Isabel
reflectiu por um segundo, depois aproximou-se da porta e bateu palmas.
A primeira dama francesa
apareceu. Minha amiga, disse a rainha, mandai buscar aquela bolsa de ouro que o
mercador Albizzi trouxe esta manhã, propondo-me a sua compra. Durante aquela
pequena espera, Roberto d'Artois saiu, enfim, das suas preocupações e combinações
para olhar a sala onde se encontravam os frescos religiosos pintados nas
paredes, o forro imenso, guarnecido de madeira, em forma de quilha de navio.
Tudo aquilo era bastante novo, triste e frio. O mobiliário era belo, mas pouco
abundante. Não é muito risonho o lugar onde viveis, minha prima, disse ele. Dá
mais a impressão de uma catedral do que de um castelo.
E Deus permita que não se
transforme em prisão, disse Isabel, a meia voz. Como sinto falta da França, às
vezes! Ele sentiu-se surpreendido tanto pelo tom como pelas palavras.
Compreendeu que havia duas Isabel: de um lado, a jovem soberana, consciente do
seu papel e que se esforçava um tanto para aparecer em sua majestade. E atrás
daquela máscara, uma mulher que sofria. A dama francesa voltou, trazendo uma
bolsa de fios de ouro tecidos, forrada de seda e fechada com três pedras preciosas,
grandes como a ponta do polegar. Maravilha!, exclamou d'Artois. Exactamente o
que precisamos. Um pouco pesada para enfeite feminino. É exactamente o objecto
que um jovem sonha trazer à cintura, para se fazer valer... Encomendai mais
duas bolsas como esta ao mercador Albizzi, disse Isabel à dama, e que ele as faça
imediatamente. Depois, quando a dama francesa saiu, acrescentou para Roberto
d'Artois: assim, podereis levá-las para a França. Ninguém saberá que passaram
pelas minhas mãos, disse ele. Ouviu-se um ruído lá fora, gritos e risos.
Roberto d'Artois aproximou-se de uma janela. No pátio, um
grupo de pedreiros içava para o alto de uma abóbada uma pedra ornamental,
gravada em relevo com os leões da Inglaterra; havia homens que puxavam cordas
passadas em polias, e outros que, sobre um andaime, preparavam-se para agarrar
a pedra. E todo aquele trabalho parecia ser executado com extremo bom humor.
Pois bem!, disse
Roberto d'Artois. Ao que parece, o rei Eduardo continua gostando dos trabalhos
de pedreiro. Reconhecera entre os trabalhadores Eduardo II, marido de Isabel,
homem bastante bonito, de uns trinta anos, cabelos ondulados, ombros largos,
ancas fortes. Suas roupas de veludo estavam sujas de gesso. Há mais de quinze
anos começaram a reconstruir Westmoutiers!, disse Isabel, encolerizada. (Como
toda a corte, pronunciava Westmoutiers, à francesa, em vez de Westminster).
Há seis anos estou casada, e vivo entre colher de pedreiro e argamassa. Não
cessam de desfazer o que fizeram um mês antes. Não é o trabalho de pedreiro que
ele ama, são os pedreiros! Pensais, por acaso, que eles ao menos o chamam sire?
Tratam-no por Eduardo, caçoam dele, e isso o deixa encantado». In Maurice Druon, Os
Reis Malditos 1, O Rei de Ferro, 1965, Gótica, colecção Cavalo de Tróia, 2006,
ISBN 978-972-792-159-1.
Cortesia Gótica/JDACT
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