domingo, 14 de março de 2021

As Espias do Dia D. Ken Follett. «A mulher exibia uma expressão de afronta, como se soubesse que era mentalmente chamada de vadia por todos os pobretões que passavam por ela a caminho da missa»

 

Cortesia de wikipedia e jdact

28 de Maio de 1944

«(…) No entanto, outra informação martelava na cabeça de Flick, roubando-lhe a paz. Antoinette, ao saber das estimativas do MI6, comentara: eu diria que são mais de doze. A mulher não era nenhuma tola: tinha sido secretária de Joseph Laperrière, um grande produtor de champanhe, e só fora dispensada e substituída pela esposa do homem em razão dos prejuízos trazidos pela ocupação. Poderia estar certa. Michel não fora capaz de tirar a limpo o conflito entre as informações do MI6 e as de Antoinette. Morava em Reims, não tinha nenhuma familiaridade com Sainte-Cécile. Nem ele nem os demais do grupo. Além disso, não houvera tempo suficiente para que se fizesse uma operação de reconhecimento. Por isso Flick se afligia tanto: se os resistentes estivessem em menor número, dificilmente teriam chance contra a disciplina dos soldados alemães. Ela agora corria os olhos pela praça, tentando localizar as pessoas que conhecia, observando cidadãos inocentes dando um passeio, mas que na verdade esperavam para matar ou serem mortos. Diante da vitrine do armarinho, admirando uma peça de tecido verde sem graça, estava Geneviève, uma moça alta de 20 anos com uma Sten escondida sob o casaco leve de verão. A Sten era a submetralhadora preferida dos resistentes, uma vez que podia ser desmontada em três partes e transportada numa bolsa pequena. Geneviève talvez fosse a jovem para quem Michel vinha arrastando asa; mesmo assim, Flick sentiu um arrepio de horror ao pensar que dali a alguns minutos a francesa poderia estar crivada de balas.

Atravessando os paralelepípedos da praça, indo para a igreja, estava Bertrand, de 17 anos. O louro com expressão impaciente levava uma Colt automática calibre 45 escondida no jornal sob o braço. Os Aliados haviam jogado milhares de Colts em paraquedas. Num primeiro momento, Flick deixara Bertrand fora da operação por conta da pouca idade, mas o garoto implorara por participar, e ela, sabendo que precisava de toda a ajuda disponível, acabara cedendo. Só rezava para que tamanha coragem não virasse pó assim que a confusão começasse. Vagando pelo átrio da igreja, aparentemente terminando seu cigarro antes de entrar, estava Albert. A mulher dele tinha dado à luz uma menina naquela mesma manhã, o primeiro filho do casal. Por isso, Albert tinha um motivo a mais para permanecer vivo. Levava consigo uma sacola de pano que parecia repleta de batatas, mas que guardava, na realidade, granadas Mills M36.A paisagem na praça seria a mesma de sempre, não fosse por um único detalhe. Ao lado da igreja havia um carro desportivo enorme e visivelmente poderoso, um Hispano-Suiza 68 Bis de fabricação francesa. Turbinado com um motor de doze cilindros, era um dos carros mais velozes do mundo. A grade frontal prateada se destacava, arrogante, do chassi azul-celeste, encimada pela cegonha que era o símbolo da montadora.

Fazia meia hora que aquele carro chegara. O motorista, um homem bonito que já devia andar pelos 40 anos de idade, trajava um paletó elegante. O dono do carro só poderia ser um oficial alemão: quem mais teria a coragem de ostentar um automóvel daqueles? A companheira dele, uma ruiva alta e belíssima, com vestido de seda verde e sapatos de camurça de saltos muito altos, exibia uma elegância tão impecável que tinha de ser francesa. O homem havia armado sua câmera sobre um tripé e agora tirava fotos do castelo. A mulher exibia uma expressão de afronta, como se soubesse que era mentalmente chamada de vadia por todos os pobretões que passavam por ela a caminho da missa». In Ken Follett, As Espias do Dia D, 2001, Editora Arqueiro, 2015, ISBN 978- 858-041-410-3.

Cortesia de EArqueiro/JDACT

JDACT, Ken Follett, Literatura, II Guerra Mundial,