Pandora, Chipre. 19 de Julho de 2016
«Comecei
a ver a casa à medida que fui contornando com o carro os perigosos buracos, ainda
não tapados, mesmo depois de dez anos, e cada vez mais fundos. Sacolejei mais
um pouco, depois parei e contemplei Pandora, achando que não era assim tão
bonita, ao contrário das requintadas fotos de imóveis de classe alta que vemos
em sites que alugam para temporadas. Em vez disso, ao menos vista pelos
fundos, era uma casa sólida, sensata e quase austera, como sempre imaginei que
teria sido seu habitante anterior. Construída com pedras locais de tom claro e
quadrada como as casas de Lego que eu montava quando menino, Pandora erguia-se
da terra árida e pedregosa que a cercava e que, até onde a vista alcançava,
estava coberta de tenras vinhas que começavam a brotar. Tentei conciliar a
realidade com a imagem que eu levava na mente havia dez verões e concluí que a
memória me prestara bons serviços. Depois de estacionar o carro, contornei as
paredes maciças até à frente da casa e o terraço, que é o que coloca Pandora
acima do lugar-comum e a inclui numa espectacular categoria própria.
Atravessando o terraço, fui até à balaustrada erguida na sua borda, no ponto
exacto que antecede o início do declive suave do terreno: uma paisagem repleta
de vinhedos, uma ou outra casa pintada de branco e extensos olivais. Ao longe,
uma linha de um azul-turquesa cintilante separava a terra e o céu.
Notei que o sol dava uma
verdadeira aula magna ao se pôr, penetrando com os seus raios amarelos no azul
e o transformando em ocre. É interessante, pois sempre achei que a combinação
de amarelo e azul resultava em verde. Olhei à direita, para o jardim abaixo do
terraço. Os bonitos canteiros, tão cuidadosamente plantados por minha mãe dez
anos antes, não tinham sido bem tratados e, sedentos de atenção e água, foram
dominados pela terra árida e suplantados por um mato feio e espinhoso. Mas ali,
no centro do jardim, tendo ainda presa a ela uma ponta da rede em que a mãe
costumava se deitar, as cordas parecendo espaguete velho e esfiapado, erguia-se
a velha oliveira. Velha foi o apelido que lhe dei na época, por ter sido
informado pelos adultos que me cercavam de que ela o era. De facto, enquanto tudo ao redor morrera e fermentara, ela
parecia haver crescido em estatura e majestade, talvez roubando a força vital dos
seus vizinhos botânicos depauperados, decidida, ao longo de séculos, a sobreviver.
Era muito bonita: uma vitória
metafórica sobre a adversidade, com cada milímetro do tronco nodoso a exibir
orgulhosamente a sua luta. Perguntei-me porque os seres humanos odeiam o mapa
da sua vida que transparece no próprio corpo, enquanto uma árvore como essa, ou
uma pintura desbotada, ou uma construção desabitada, quase em ruínas, são enaltecidas
pela sua antiguidade. Pensando nisso, voltei-me para a casa e fiquei aliviado
ao ver que, pelo menos por fora, Pandora parecia ter sobrevivido ao seu
abandono recente. Na entrada principal, tirei do bolso a chave de ferro e abri
a porta. Ao percorrer os cómodos na penumbra, protegidos da luz pelas persianas
cerradas, percebi que as minhas emoções estavam entorpecidas, e talvez fosse
melhor assim. Não me atrevi a começar a sentir coisas, porque esse lugar,
talvez mais do que qualquer outro, guarda a essência dela... Meia hora depois, eu já tinha aberto as janelas do
térreo e tirado os lençóis de cima dos móveis do salão. Parado numa bruma de
partículas de poeira que captavam a luz do sol poente, lembrei-me de ter
pensado, na primeira vez em que vi a casa, que tudo parecia muito velho. E me
perguntei, ao olhar para as poltronas afundadas e o sofá puído, se, tal como a
oliveira, o velho e ultrapassado em certo ponto se torna simplesmente velho,
sem continuar a envelhecer de modo visível, como os avós grisalhos para uma criança
pequena.
A única coisa na sala que tinha
mudado de forma a ficar irreconhecível era eu, é claro. Nós, humanos,
completamos a maior parte da nossa evolução física e mental em nossos primeiros
anos no planeta Terra, de bebés a adultos plenos num piscar de olhos. Depois
disso, ao menos por fora, passamos o resto da vida mais ou menos com a mesma
aparência, apenas nos transformando em versões mais flácidas e menos atraentes
do nosso eu jovem, à medida que os genes e a gravidade fazem o que sabem fazer
de pior. Quanto à dimensão afectiva e intelectual das coisas..., bem, devo
acreditar que há algumas vantagens que compensam o lento declínio do nosso
envoltório externo. Estar de volta a Pandora me mostrou com clareza que elas
existem. Tornando a entrar no corredor, ri do Alex que eu era. E me encolhi
diante do meu eu anterior, aos 13 anos, um completo egocêntrico e perfeito pé
no saco». In Lucinda Riley, O Segredo de Helena, 2016, Editora IN, 2018, ISBN 978-989-776-064-8.
Cortesia de EIN/JDACT
JDACT, Lucinda Riley, Literatura, Chipre,