«(…) Exacto. O Phileas Fogg de Verne fê-lo nesse lapso de tempo em ficção, enquanto Nellie Bly completou a viagem na realidade em 1889 e 1890. Circundou o mundo em setenta e dois dias. Por outro lado, antes disso, quando iniciava as actividades como repórter estagiária no World de Nova Iorque, efectuou uma reportagem sobre loucos que tinham sido isolados na Ilha Blackwell e a forma como eram tratados. Mas em vez de recolher elementos pelos meios ortodoxos, disfarçou-se com roupas andrajosas, assumiu uma expressão alucinada e conseguiu que a internassem lá. Inteirou-se assim, em primeira mão, das condições miseráveis e crueldade dispensadas aos companheiros. Quando regressou à liberdade, escreveu dois artigos de primeira página sobre a experiência que vivera. As revelações tornaram-na famosa de um dia para o outro. Portanto, voltando ao nosso assunto, tinham-me encomendado uma tarefa de rotina relativa a um centro de reabilitação de drogados em Santa Mónica, lembrei-me de Nellie Bly e cismei: porque não? Conseguiu ser admitida no centro como toxicómana?
Consumidora de cocaína. E
resultou. Mesmo em cheio. Depois, escrevi a reportagem na primeira pessoa, do
ponto de vista de uma paciente. Bem, não direi que foi sensacional (apareceu
numa publicação pouco importante ao lado de anúncios de compra e venda de
propriedades), mas fez incidir uma certa atenção em mim e alguns elogios. Em
particular, da minha família. Meu pai adorou-a. Ficou mesmo tão impressionado,
que enviou uma cópia a um amigo pertencente à administração do Los Angeles Times. Este também a
apreciou, além da particularidade de ter sido escrita pela filha de Clarence
Lane (meu pai era muito conhecido na altura, pelos seus inventos), e mostrou-a
ao editor, o qual me convocou para uma entrevista e decidiu admitir-me nos quadros
do jornal, à experiência. Que aconteceu? O meu primeiro trabalho foi um fiasco.
Billie Bradford soltara uma risada. Tinham-me posto na rua passadas quarenta e
oito horas, sem a intervenção de George Kilday. Era o responsável do
departamento de reportagens e salvou-me a pele. Como?
Preferia não aprofundar o
assunto. Pergunte-lhe, que não hesitará em o elucidar. Agora, trabalha aqui, em
Washington, como chefe da delegação do Los
Angeles Times. De qualquer modo, acho conveniente que o procure.
Há-de fornecer-lhe muitos elementos acerca da minha incursão pelo jornalismo
que já não recordo. Tem, realmente, um dado clínico, no que se refere a
repórteres. Fale com ele. Não deixarei de o fazer, mrs. Bradford. Mas primeiro
gostava de ouvir informações dos seus lábios. Que sucedeu na sua reportagem
inaugural? E ela elucidara-o acerca do que conseguira evocar. Isto ocorrera há
alguns meses e fora o momento em que Parker se inteirara pela primeira vez do
modesto papel desempenhado por Kilday na vida de Billie Bradford. Em face
disso, decidira encontrar-se com ele e, à terceira tentativa, achava-se finalmente
sentado na sua frente, no café do Madison. Parker apressou-se a manifestar
gratidão pelo espírito de cooperação do jornalista, que esboçou um gesto de protesto.
A empregada reapareceu para receber instruções e, enquanto Kilday esquadrinhava
a ementa e optava por canja de galinha e uma sanduíche de queijo e alface em
pão de centeio, Parker observava-o dissimuladamente. Tinha sobrancelhas brancas
espessas, nariz proeminente, queixo largo com dois pequenos cortes produzidos
ao fazer a barba, numa cabeça apoiada num pescoço curto e corpo atarracado
envolto num fato cinzento amarrotado.
Depois de encomendar por seu
turno, indicou o gravador na mesa de plástico entre ambos e perguntou:
Importa-se? De modo algum. Confesso que nunca utilizo essas geringonças.
Acho-as uma perda de tempo. Dão muito trabalho na transcrição e a maior parte
do material não é essencial. Mas não me importo absolutamente nada que se sirva
de uma. Parker premiu uma tecla e as bobinas da cassette principiaram a girar. Há
quanto tempo está em Nova Iorque? Fui transferido para cá no ano anterior ao
ingresso de Billie Bradford na Casa Branca. Há três anos e meio, portanto. Mais
ou menos. Orgulho-me muito dela. Incutiu uma aparência nova à Casa Branca. É
elegante como Jacqueline Kennedy, inteligente e honesta como Betty Ford e mais criativa
que ambas, assim como mais ao corrente das questões políticas». In
Irving Wallace, A Segunda Dama, 1980, Editora Livros do Brasil, Colecção Dois
Mundos, 1983, ISBN 978-972-380-936-7.
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