sábado, 14 de agosto de 2021

Labirinto. Kate Mosse. «Naquele silêncio, o eco de sua voz parece de certa forma hostil e ameaçador. P-A-S A P-A-S... Pas a pas. Passo a passo? Passo a passo o quê?»

Cortesia de wikipedia e jdact

Segunda-feira, 4 de Julho de 2005

«(…) Ela torna a subir. Há uma profunda depressão no solo na entrada da caverna, onde antes ficava a pedra. A terra húmida fervilha com a frenética actividade de minhocas e besouros subitamente expostos à luz e ao calor depois de tanto tempo. Seu boné está no chão no mesmo lugar onde caiu. Sua colher de pedreiro também está lá, exactamente onde ela a deixou. Alice espia para dentro da escuridão. A abertura não tem mais de um metro e meio de altura por cerca de um metro de largura, e suas bordas são irregulares e ásperas. Parece uma abertura natural, não algo feito pelo homem, mas quando ela passa os dedos pela rocha, para cima e para baixo, encontra trechos curiosamente lisos nos pontos onde a pedra repousava. Lentamente, seus olhos se acostumam à penumbra. O preto aveludado cede lugar a um cinza escuro, e ela vê que está diante de um túnel comprido e estreito. Sente os cabelos finos se eriçarem na nuca, como a avisá-la de que na escuridão há algo à espreita que seria melhor deixar em paz. Mas é só uma superstição infantil, e ela não se permite pensar nisso. Alice não acredita em fantasmas nem em premonições.

Apertando a fivela na mão com força, como um talismã, ela respira fundo e dá um passo para dentro da passagem. No mesmo instante, o cheiro de um ar subterrâneo há muito escondido a envolve, enchendo sua boca, sua garganta, seus pulmões. O ambiente é fresco e húmido, sem os gases secos, venenosos de uma caverna lacrada com os quais lhe avisaram para tomar cuidado, então ela conclui que deve existir alguma fonte de ar puro. Porém, para garantir, vasculha os bolsos dos shorts até encontrar seu isqueiro. Acende-o e ergue-o em direcção ao espaço escuro, confirmando que há oxigénio. A chama é sacudida por uma corrente de ar, mas não se apaga. Sentindo-se nervosa e ligeiramente culpada, Alice enrola a fivela num lenço e a enfia no bolso, em seguida avança com cautela. A luz da chama é fraca, mas ilumina o caminho imediatamente à sua frente, lançando sombras sobre as paredes cinza e ásperas. À medida que avança mais, ela vai sentindo o ar frio se enroscar por suas pernas e braços nus como um gato. Está caminhando sobre uma rampa. Pode sentir o chão descendo sob seus pés, irregular e arenoso. O atrito das pedras e do cascalho ressoa alto naquele espaço confinado, silencioso. Ela tem consciência de que, quanto mais longe e mais fundo avança, mais a luz do dia vai ficando pálida atrás de si.

De repente, ela não quer mais continuar. Não sente nenhuma vontade de estar ali. Mas é como se houvesse algo irresistível naquilo, algo a puxá-la para as entranhas profundas da montanha. Dez metros mais adiante, o túnel termina. Alice se vê na soleira de uma câmara fechada como uma caverna. Ela está em pé sobre uma plataforma de pedra natural. Um ou dois degraus rasos e largos bem na sua frente levam à área principal onde o chão foi nivelado até ficar plano e liso. A caverna tem cerca de dez metros de comprimento e talvez cinco de largura, e foi obviamente construída por mãos humanas, e não só pela natureza. O tecto é baixo e abobadado, como o de uma cripta.

Alice olha fixamente, segurando mais alto a chama tremeluzente e incomodada por uma curiosa familiaridade que a vai dominando e que ela não consegue explicar. Está prestes a descer os degraus quando percebe letras gravadas na pedra do degrau de cima. Inclina-se e tenta ler o que está escrito. Apenas as três primeiras palavras e a última letra, N, ou talvez H, estão legíveis. As outras estão carcomidas ou lascadas. Alice limpa a poeira com os dedos e recita as letras em voz alta. Naquele silêncio, o eco de sua voz parece de certa forma hostil e ameaçador. P-A-S A P-A-S... Pas a pas. Passo a passo? Passo a passo o quê? Uma vaga lembrança percorre a superfície de sua mente consciente, como uma canção há muito esquecida. E logo desaparece. Pas a pas, murmura ela dessa vez, mas aquilo não significa nada. Uma prece? Um aviso? Sem saber o que vem depois, não faz sentido». In Kate Mosse, Labirinto, Editora Suma de Letras, 2006, ISBN 978-857-302-768-6.

Cortesia de ESumafrLetras/JDACT

JDACT, Kate Mosse, Literatura, Cátaros, Languedoc,