«(…) Pêro Coelho, hábil e erudito conselheiro do monarca, aceso defensor do interesse de Portugal, acenou em concordância e apresentou os argumentos favoráveis à ideia do rei. Que se fizessem provas aos que exerciam as profissões da saúde. Falsos físicos e cirurgiões arrancavam dentes, cortavam a carne e amputavam membros com a ligeireza de um talhante. As ruas da cidade viam-se pejadas de incapacitados e rara era a família do povo que não contava algum cadáver saído das mãos dos impostores.
Devem ser submetidos a rigorosos
exames, adiantou Álvaro Gonçalves, meirinho-mor do reino, magistrado e
conselheiro próximo do monarca, conhecedor das populações, que percorria
constantemente.
Centralizados, frisou bem o
monarca, usando uma das palavras que lhe eram mais caras. Aqui mesmo, em
Lisboa. Nomearei físicos da corte, de comprovada ciência, para os realizar. Entregou
o rascunho aos seus homens de mão.
Dai-lhe forma de lei e trazei-me
a versão final, ordenou. Depois reuniu os documentos já prontos e passou-os a
um escrivão para que fossem selados. Afonso manteve-se em silêncio enquanto observava
a cera vermelha derretida a pingar sobre a fita que pendia do pergaminho, a
certificação de que haviam saído da chancelaria real as novas ordens.
Finalmente, o selo régio moldou a sua imagem na cera, ostentando a cruz
composta por cinco escudos e rodeada por doze castelos.
É tudo?, perguntou o monarca, vendo
chegar ao fim a resma de documentos sobre a mesa.
Ouvia distraidamente, contrário
ao seu costume. Afonso IV tinha o corpo ali, na administração do reino, mas os
pensamentos mais profundos estavam nas relações externas. Havia algum tempo que
enviava mensageiros e ouvintes pela Península, a par da correspondência que ele
e Beatriz nunca abrandavam, para que nenhum acordo fosse firmado sem que dele
soubesse o rei de Portugal.
E
para que nenhum segredo fugisse ao seu conhecimento.
Castelo de Penñfiel, Castela
Cismais senhora? Sorri-lhe., desajeitada. Acreditava
que sim, que cismava sempre demasiado.
Perdoai o alheamento, apenas
aparente. Concentrava-me na música, respondi-lhe com cortesia, sem laivos dos
ademanes que se esperavam das damas nestes tempos de trovas e enamoramento
cortesão. Álvaro Nuñez elevou os olhos escuros, pousando-os nos músicos tocando
instrumentos de cordas que animavam o nosso banquete. Acenou em concordância: Excelente
grupo. Vosso pai mantém-se o melhor anfitrião de Castela». In Isabel Machado, Constança, A
Princesa traída por Pedro e Inês, 2015, A Esfera dos Livros, 2015, ISBN 978-989-626-718-6.
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