«A palavra mercador, corrente na época, tinha contra si o episódio evangélico da flagelação dos vendilhões do templo e a condenação jurídica e moral dos empréstimos a juros por parte do Direito Canónico. Por isso, a palavra e a actividade do mercador se escondem por trás de outros vocábulos como homem bom, homem honrado, cidadão e com crescente frequência por trás de criado d’el-rei, escudeiro, cavaleiro e mesmo cavaleiro fidalgo.
Toda a sociedade portuguesa participou,
como dissemos, e foi marcada pelo movimento da expansão marítima. Mas,
socialmente, os grupos determinantes têm origem urbana, honrados ou náo.
São
os que constroem barcos e navegam no Mar Oceano, os que aumentam em caudal as rendas
do rei e pugnam pelo fortalecimento da Coroa, os que empregam e acumulam crescentes
cabedais, mas que seriam excluídos da direcção nominal suprema.
Do ponto de vista das relações exteriores,
a posse de Ceuta implicava a manutenção de um corpo militar permanente,
calculado em cerca de três mil homens. Portugal era um cruzado militante. O papa
abençoava o seu exemplo e esforço. Esta bênção aliviava a i pressão que pudesse
ser exercida por príncipes cristãos, designadamente por Castela, e propagandeava
os feitos e o poder militar do eino de Portugal.
A conquista de Ceuta envolveu também,
desde logo, um projecto mais largo, o de criar um Portugal Além-Mar em África, ao
menos o domínio de outras praças marítimas e ainda o assentamento nas ilhas
descobertas e a descobrir. Esse projecto nascia da necessidade de firmar um pé fora,
no esforço de segurar a independência política e de acalmar o medo de Castela.
E da necessidade de dar emprego aos jovens candidatos a fidalgos.
Vale a pena enumerar a fardagem dos
títulos que ostentava o rei de Castela, pela graça de Deus, rei de Castela, de
Leão, de Toledo, da Galiza, de Sevilha, de Córdova, de Múrcia, de Jaen, do Algarve,
de Algeciras e senhor de Biscaia e de Molina. Pelo seu lado. em 1410, o rei
de Aragão estendia o seu domínio às ilhas Baleares, à Sardenha, à Sicília. João
I era tão só rei de Portugal e do Algarve, a que juntava agora o título de
senhor de Ceuta.
Com os seus navios e corsários,
Ceuta controlou nos séculos XV e XVI a navegação que velejava pelo Estreito de Gibraltar.
Tornou-se escola de milícia e modelo de arquitectura militar. Nos séculos XVI e
XVII, responderá ao corso que flagelava as armadas portuguesas e espanholas que
regressavam do Oriente, do Brasil, da costa africana e das Américas». In
António Borges Coelho, Largada das Naus, História de Portugal, 1385-1500,
Editorial Caminho, 2011, ISBN 978-972-212-464-5.
Cortesia de ECaminho/JDACT
JDACT, António Borges Coelho, Ceuta, Cultura e Conhecimento, História, Descobrimentos,