Tempos de Boa Memória (1383-1433)
«A
convulsão social, as guerras, a fome, a desvalorização brutal da moeda não
ofuscaram a boa memória do rei João. Os sucessos obtidos no campo político e militar
refundaram a independência do reino e criaram um capital mítico que rendeu até aos
nossos dias.
Nos anos da revolução, as oportunidades
de ascensão social permitiram que um escudeiro de quatro rocins, embora filho
de mestre e neto de arcebispo, pudesse criar, quase do nada, o maior senhorio de
Portugal. Um tanoeiro alçou-se a alcaide da cidade de Lisboa. Um cavaleiro mercador
e corsário. filho e neto de mercadores, tornou-se rico-homem, capitão-mor do
mar, alcaide-mor de Lisboa, conde de Abranches. na Normandia. e cavaleiro da Ordem
da Jarreteira.
Lançaram-se dez pedidos gerais para
as despesas da guerra; gastaram-se 280 000 dobras na conquista de Ceuta, 500
000 em casamentos, viagens, expedições às Canárias. descerco de Ceuta; armaram-se
frotas; iniciaram-se obras monumentais como a do mosteiro da Batalha; a moeda
desvalorizou, segundo Costa Lobo, 1109 vezes. A Coroa e a economia resistiram. Alguns
reais de prata, cunhados nos dias da revolução, foram pendurados ao pescoço
como talismã.
As queixas principais vieram dos fidalgos.
Os senhorios recebiam a renda em dinheiro e deixavam uma parte maior dos excedentes
nas mãos dos produtores. Com os excedentes animavam-se as feiras e o comércio.
Por outro lado, os concelhos das cidades e das vilas que, de armas na mão e com
o dinheiro da sua bolsa, sustentaram a parte maior da guerra, não se esqueceram
de pugnar pela libertação dos tributos feudais que oneravam a produção e o desenvolvimento
de uma economia progressivamente mercantil.
Assinado o tratado de paz em 1411,
o Conselho Régio decidiu em ordenança um efectivo militar de 3200 lanças,
assim distribuídas: Capitães 500, Escudeiros de uma lança 2360, Ordem de Cristo
e Ordem de Santiago 100 cada, Ordem de Avis e do Hospital 80. Os escudeiros de
uma lança subiam a mais de dois terços dos efectivos. O capitão e ex-juiz de Lisboa
Antão Vasques comandara mais de 70 lanças, algumas de fidalgos de linhagem. Vemos
bem de que lado social estava a força.
As Cortes
Nunca os concelhos intervieram
tão activa e decisivamente na política nacional. Nos cinquenta anos em que João
I governou, as Cortes reuniram-se vinte e oito vezes, mais vezes do que em todos
os reinados dos séculos XIV e XV. Realizaram-se em dez cidades e vilas: à cabeça,
Lisboa, Coimbra, Santarém, mas também em Viseu, Braga, Guimarães, Montemor-o-Novo
e Estremoz». In António Borges Coelho, Largada das Naus, História de Portugal,
1385-1500, Editorial Caminho, 2011, ISBN 978-972-212-464-5.
Cortesia de ECaminho/JDACT
JDACT, António Borges Coelho, Ceuta, Cultura e Conhecimento, História, Descobrimentos,