«Esse mal-estar se resume numa frase aterradora, e ignoro o que farão os demais para superá-la: E agora?. Essa mudança de estado, como a doença, é incalculável e interrompe tudo, ou pelo menos não permite que nada continue como até então: não permite, por exemplo, que depois de ir jantar ou ir ao cinema cada um vá para sua casa e nos separemos, que eu deixe Luisa de carro ou de táxi em seu portão e, depois, uma vez deixada, dê uma volta sozinho pelas ruas semivazias e sempre molhadas, pensando nela seguramente, e no futuro, sozinho em direcção à minha casa. Uma vez casados, ao sair do cinema os passos se encaminham juntos para o mesmo lugar (ressoando em contratempo porque são quatro os pés que caminham), mas não porque eu tenha decidido acompanhá-la nem mesmo porque tenha o costume de fazê-lo e me pareça justo e educado fazê-lo, mas porque agora os pés não hesitam sobre o calçamento molhado, nem deliberam, nem mudam de ideia, nem podem arrepender-se nem escolher: agora não há dúvida de que vamos para o mesmo lugar, queiramos ou não esta noite, ou talvez tenha sido ontem à noite que eu não quis.
Já
na viagem de lua-de-mel, quando essa mudança de estado começou a se produzir
(não é muito exacto dizer que começou, é uma mudança violenta e que não deixa
tempo para respirar), me dei conta de que me era muito difícil pensar nela, e
totalmente impossível pensar no futuro, que é um dos maiores prazeres
concebíveis para qualquer pessoa, se não a diária salvação de todos: pensar
vagamente, errar com o pensamento posto no que há-de vir ou pode vir,
perguntar-se sem muita concretude nem interesse pelo que será de nós amanhã
mesmo ou dentro de cinco anos, pelo que não prevemos.
Já
na viagem de núpcias era como se houvesse sido perdido e não existisse o futuro
abstracto, que é o que importa, porque o presente não o pode tingir nem
assimilar. Essa mudança, pois, obriga a que nada continue a ser como até então,
e mais ainda se, como costuma acontecer, a mudança foi precedida e anunciada
por um esforço comum, cuja principal manifestação visível é a artificiosa
preparação de uma casa comum, uma casa que não existia nem para um nem para
outro, mas que deve ser inaugurada pelos dois, artificiosamente.
Nesse
mesmo costume ou prática, muito difundida pelo que sei, está a prova de que na
realidade, ao contrair, os dois contraentes estão se exigindo uma mútua
abolição ou aniquilamento, a abolição daquele que cada um era e pelo qual cada
um se apaixonou ou de quem talvez tenha visto as vantagens, já que nem sempre
há um apaixonamento prévio, às vezes é posterior e às vezes não ocorre nem
depois nem antes. Não pode ocorrer». In Javier Marías, Coração Tão Branco, 1992,
Relógio D’Água, 1994, ISBN 972-708-247-5
Cortesia do RelógioD’Água/JDACT
JDACT, Javier Marías, Literatura, Espanha, Narrativa,