«Consiste o livre-arbítrio em voluntariamente cumprir o fado». In Agostinho da Silva
31 de Março de 1738
«(…)
Luís Bernardo viera à minha procura, entre o torneio de flechas e o jogo de alcanzías,talvez
por ordem de sua mãe, que me vira desaparecer sem dar explicações. Nunca a
minha pr6púa mãe me mandara seguir por ninguém, mas a minha futura sogra
achava-se absurdamente nesse direito.
Estou
entediada, Luís Bernardo. E se fôssemos dar um passeio? Agora? Mas os festejos
vão a meio. Voltaríamos antes do final. Não queres estar comigo... a sós? O meu
olhar era libidinoso e a minha boca suficientemente insinuante para ele
perceber a que me referia, mas Luís Bernardo herdara da mãe uma moralidade
estranguladora que me irritava profundamente. Tudo lhe cheirava a pecado, e
fugia receoso de tudo o que pudesse ser interessante ou divertido, como se a
liberdade de viver fosse um gigantesco demónio à sua espera, em cada esquina.
Mas
já estamos sozinhos, Teresa. Onde querias tu ir a esta hora? Tens noção da
confusão de gente que está lâ fora? Só carruagens ouvi falar em quase quatro
mil. E outras tantas embarcações no Tejo. Fora os milhares e milhares de
pessoas a quem foi vedada a entrada, e que devem estar a entupir todas as
saídas.
Exausta
de o ouvir complicar o que podia ser tão simples, calei-o com um beijo nos
lábios, ainda com uma ténue esperança de que isso viesse a fazê-lo desejar o
resto. O que estás a fazer?, interrompeu-me. O que tu queres tanto como eu. Puxei-o
pelo casaco de veludo para uma alçada escura onde haviam sido guardadas umas
sacas de erva, talvez para dali seguirem para os animais esfomeados. O cheiro a
erva fresca era intenso mas revitalizador. E essa era uma cama fofa para os
nossos corpos se apoiarem, se preciso fosse. Teresa, nós não podemos.
Esferas
ocas de barro pintado, que
Os
atacados defendiam-se com escudos e
Se
atiravam à cara uns dos outros.
As
bolas desfaziam-se com o choque.
Podemos
sim. Podemos tudo o que quisermos. Fecha os olhos e sente-me. Fechei-lhe os
olhos suavemente com a mão direita, enquanto a esquerda lhe descia pelo ventre,
para lhe fazer subir o desejo.
Teresa...
Casaremos em breve, Luís Bernardo. Seremos um só, hoje... e depois para sempre.
Olha a minha mãe... Soltei a minha boca da dele, com asco. Como era possível
que ele se atrevesse a falar na sua mãe, quando me tinha ali, pronta para me
entregar a ele como nunca me entregara a ninguém? Como ousava sequer pensar
nela?
Foi
a minha mãe que me mandou vir ver se estavas bem. Se eu demorar virá atrás de
mim. Vai apanhar-nos. Ali estava o seu grande demónio, à sua espera. O demónio
da sua mãe, perseguindo-o em cada decisão da sua vida. Vai-te embora, Luís
Bernardo. Vai.
Entendes
que não podemos fazê-lo? Não aqui. Não hoje. Mas eu quero-o muito. Quero-o
tanto como tu. Tu sabes disso. Vai, Luís Bernardo, por favor. Não vá a tua mãe
descobrir--nos... Então vem comigo. Dizemos que te sentiste indisposta. Não, espera...
indisposta, não. senão ela ainda pode pensar que estás grávida. E não podes
estar grávida se nós não... ainda não... Vai, Luís Bernardo. Agora! Por favor!,
disse, agastada. Obedientemente. ele foi. Foi em busca da mãe. Foi em busca da decência
e cio recato. Foi em busca do que era suposto ser correcto, só porque alguém se
lembrou de dizer que sim. E eu deixei-me cair nas sacas de erva fofa, cujo
cheiro jâ não me parecia agora revitalizador, mas nauseabundo, porque também o
cheiro nos cheira àquilo que sentimos». In Sara Rodi, Teresa Távora, A Amante do
Rei, A Esfera dos Livros, Lisboa, 2013, ISBN 978-989-626-482-6.
Cortesia EsferaLivros/JDACT
JDACT, Sara Rodi, Conhecimentos, Escrita, O Saber,