domingo, 15 de outubro de 2023

Sexo com Reis. 500 Anos de Adultério. Eleonor Herman.«As memórias tornaram-se populares, embora devam ser lidas com cautela e comparadas com outros documentos do mesmo período. Escritas para serem publicadas, muitas delas tinham o duplo propósito de vingança…»

jdact e cortesia de wikipedia

Agnes Sorel

«Logo depois de o quadro ter sido pintado, talvez por coincidência, os poderes do céu enviaram a Ceifadeira para castigar Agnes. Com cerca de 40 anos, após 15 anos como amante, amiga e conselheira do rei, Agnes morreu ao dar à luz. Talvez contemplasse um lugar grandioso quando, ao olhar para seu corpo que se esvaía, disse com suavidade: É algo tão insignificante, maculado e exalando nossa fragilidade. Cerrou os olhos. O rei, dilacerado pela dor, concedeu-lhe o título póstumo de duquesa e a enterrou em grande esplendor.

Nosso conhecimento sobre as amantes reais aumenta significativamente com o advento do século XVI. O desabrochar do pensamento na Renascença trouxe novos ares para uma Europa estagnada. De súbito, navios cruzavam os sete mares, trazendo de volta novos-ricos que jamais haviam sonhado com a riqueza. Os mosteiros foram pesquisados para encontrar manuscritos que ilustrassem a sabedoria das lendas pagãs antigas. Sociedades que idolatraram, durante milhares de anos, as estátuas da Virgem extasiavam-se diante da imagem curvilínea da Vénus de Milo. Nesse processo, o Vaticano perdeu a chave do cofre de todo o conhecimento; sua tenaz de ferro sobre a moral e os costumes enfraqueceu de modo substancial,  mesmo em nações que permaneceram católicas após a Reforma.

A invenção da imprensa provocou uma explosão de instrução entre a nobreza. A escrita de cartas tornou-se um passatempo favorito de cortesãos ansiosos para saciar a curiosidade de parentes incultos sobre bisbilhotices picantes da corte. Dessas cartas extraem-se as lágrimas das rainhas, os acessos de raiva das amantes e a luxúria insaciável dos reis. Madame de Maintenon, a última favorita e esposa morganática do rei Luís XIV (1638-1715), escreveu mais de 90 mil cartas durante a vida. A cunhada de Luís XIV, Elizabeth Charlotte, duquesa de Orléans, escreveu 60 mil cartas sobre a vida na corte de Versalhes, cobrindo um período de cinquenta anos. Madame de Sévigné, que conheceu pessoalmente as amantes de Luís XIV, escreveu três vezes por semana durante 25 anos para sua filha querida, que morava na Provença. Algumas correspondências pessoais de reis e de suas amantes sobreviveram a incêndios, inundações, traças, destruição proposital; e parte dessas missivas aborda o lado romântico da vida.

Além disso, os relatórios dos embaixadores fornecem opiniões detalhadas sobre a vida na corte. Numa época em que um capricho do rei significava paz ou guerra, abundância ou fome, nenhum detalhe real era considerado insignificante. Alguns despachos oficiais discutiram até mesmo o funcionamento dos intestinos do rei. Luís XIV, ciente da grande influência que muitas amantes de Carlos II (1630-1685) tiveram sobre ele, instruiu seus embaixadores na Inglaterra para enviar  relatórios detalhados sobre todos os acontecimentos da corte da Grã-Bretanha, sobretudo, sobre a vida privada. Muitos desses relatos maliciosos sobreviveram.

Os diários tornaram-se moda, dando testemunho de intrigas reais. Um dos mais conhecidos memorialistas, Samuel Pepys, trabalhou como funcionário graduado no English Naval Office na década de 1660 e sentiu um fascínio lascivo pela amante de Carlos II. Mencionou tê-los visto no parque e no teatro, comparou a beleza deles, descreveu suas roupas e fez sexo com eles nos seus sonhos. Escreveu com entusiasmo que beijara Nell Gwynn no final de sua peça e que a visão das ricas roupas íntimas de Lady Castlemaine penduradas num varal lhe fora muito prazerosa.

As memórias tornaram-se populares, embora devam ser lidas com cautela e comparadas com outros documentos do mesmo período. Escritas para serem publicadas, muitas delas tinham o duplo propósito de vingança pessoal e delação. Pouco antes de sua morte em 1615, a rainha Margarida da França escreveu uma autobiografia enaltecendo sua virtude imaculada e descrevendo numerosas histórias sobre o comportamento censurável do marido com as amantes, eximindo-se de contar histórias semelhantes protagonizadas por ela e seus amantes. O vingativo duque de Saint-Simon, desiludido com o tratamento que lhe fora dispensado, partiu da corte de Versalhes em 1722. Teimosamente, empunhou sua pena para escrever quarenta volumes de memórias, a tinta misturada com grandes doses de veneno». In Eleonor Herman, Sexo com Reis, 500 Anos de Adultério.  Eleonor Herman, Editora Objetiva, 2005, ISBN 978-857-302-734-1.

Cortesia de EObjetiva/JDACT

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