quarta-feira, 7 de julho de 2010

D. Manuel I: «Império dos Pardais» conta uma história empolgante, de poder da corte de D. Manuel num momento sensível da sua história em que se decidem os destinos do Império

Cortesia de Temas e Debates
Com a devida vénia a João Oliveira e Costa, publico algumas palavras do seu livro «O Império dos Pardais».

« ... A roda da fortuna dera voltas e mais voltas, alterando-lhes os planos assim que os arquitectavam. Como poderiam :adivinhar, no final de 1482, as tragédias por que passaria a corte portuguesa durante todo o reinado de D. João II. Primeiro a prisão e decapitação de D. Fernando, duque de Bragança, com a fuga do reino de d: João, marquês de Montemor. D. Afonso, conde de Faro, e D. Álvaro, chanceler-mor do reino, todos irmãos do duque executado. D. João e D. Afonso haviam falecido pouco depois no exílio castelhano.
Quem adivinharia também que a rainha D. Leonor não voltaria a dar à luz, a não ser um nado-morto. D. Manuel acompanhava os reis numa peregrinação a Lamego, mas não houvera santo que intercedesse com sucesso junto do Altíssimo, e a descendência legítima de D. João II ficara reduzida ao príncipe D. Afonso.
Entretanto, e rn 1484, seguira-se o assassínio do duque de Viseu pelo próprio rei, sob o pretexto que D. Diogo planeara o regicídio. O altivo D. Diogo acabara sem g1ória, apunhalado pelo cunhado que ele desdenhara e subestimara. D. Manuel fora chamado à câmara onde jazia, inerte, seu irmão, e, ali mesmo, defronte do cadáver, lhe fora prometido o ducado de Viseu, mas com sede em Beja, mais o governo da Ordem de Cristo, o senhorio das ilhas atlânticas e o título de condestável. De repente, o último neto d’el-rei D. Duarte, a quem D. João II continuara a negar o governo da Ordem de Avis, transformava-se no fidalgo mais poderoso do reino.
Passado um mês, ainda atordoado, D. Manuel chamara os amigos da Irmandade de Moura. Continuavam a ser uns rapazes, mas os laços de amizade estavam firmados. Juntos haviam renovado os votos de uma união total e nos meses seguintes todos acabaram por ser incorporados na Casa de Beja. A sua relação informal permanecera secreta, e nem Miguel de Castro a revelara no seu diário.
Insatisfeita com tamanha revolução, a roda da fortuna levara D. Manuel a Elvas para receber D. Isabel de Castela, aquela menina que outrora espreitara por entre as ameias do Castelo de Moura, que agora chegava, mulher, para desposar o príncipe D. Afonso.
O duque de Beja conduzira a prima para o enlace com seu sobrinho, e ao revê-la voltara a não ficar indiferente, mas quem era capaz de escapar às desconfianças do rei sabia dissimular o interesse por uma mulher. A Irmandade de Moura acompanhara D. Manuel nos festejos grandiosos com que D. João II celebrara o casamento de seu único filho.
Passados oito meses, a princesa continuava por engravidar e o príncipe caíra do cavalo desastradamente. Numa tarde de Julho do ano de 1491, o trono escancarava-se ao afortunado, mas discreto duque de Beja, que de Tomar acorrera a Santarém, onde encontrara o príncipe já cadáver. Para que a tragédia d'el-rei João fosse completa faltava sua própria morte, que também não tardara. Mas esta não surgira subitamente, como no dia em que levara o príncipe; ao rei a morte anunciara-se com larga antecedência. A doença fora-lhe corroendo o corpo enquanto o espírito vivo do monarca continuava a montar as bases que haviam de sustentar o império marítimo dos portugueses, mas que ele já não veria. D. João tentara, ao mesmo tempo, fazer de D. Jorge, seu filho bastardo, o herdeiro do trono, mas as forças vivas da Casa de Beja, mantendo sempre o duque resguardado da sanha joanina, tinham defendido a realeza de D. Manuel, de novo herdeiro, mas agora da Coroa. A Irmandade de Moura tivera parte activa nesse processo. Vasco de Melo, que se especializara em acções secretas, andara por Itália durante dois anos a coordenar todas as acções para neutralizar as embaixadas de D. João II ao papa.
D. Manuel tornara-se rei de Portugal, a 25 de Outubro de 1495, num ambiente tenso, tendo recusado uma derradeira visita ao rei moribundo por receio de sofrer um atentado. Os amigos de infância acompanhavam-no em Alcácer do Sal quando chegara a nova que lhe dava o ceptro. Todos se maravilharam com tal destino, que elevara à realeza o jovem nascido longe do trono, mas que fora baptizado como Emanuel - «o Deus connosco», sinal de que era um predestinado.
Pouco depois chegara a embaixada castelhano-aragonesa propondo-lhe. o casamento com a infanta D' Maria, fi1ha dos Reis Católicos. D. Manuel desejava tornar-se genro de Fernando e Isabel, mas a noiva pretendida era a velha conhecida D. Ìsabel, que continuava viúva. O desejo fora satisfeito, mas o preço elevado, pois D. Isabel impusera a saída de judeus e mouros para que ela regressasse a terras de Portugal. D. Manuel, com manhas, transformara os seguidores de Moisés em cristãos-novos e, nesses tempos em que a intolerância para com os judeus ganha contornos mais acentuados, limitara-se a evitar um problema criando outro bem mais complexo. Viera D. Isabel e passado um mês já estava prenhe enquanto seu irmão mais velho morria em Castela e o filho que ele engendrara em Margarida de Áustria morria, pouco depois, à nascença.
Desta forma, a Isabel que D. Manuel cobiçara em Moura, valia-1he, passados quinze anos, a herança de Castela e Aragão. Depois, porém, a roda da fortuna mudara de sentido e matara Isabel no parto e o pequeno rebento, o príncipe D. Miguel da Paz, passados dois anos. Embora tivesse de abandonar por então o sonho hispânico, D. Manuel ganhara um império e uma nova esposa, D. Maria, que ele amava e que o cumulalava de filhos.
Em muitos momentos decisivos de sua vida, enquanto duque ou já corno rei, seus amigos da irmandade tinham-lhe valido, fosse na praça pública, fosse em acções discretas, matéria em que alguns deles se haviam tornado especialistas». In João Oliveira e Costa, O Império dos Pardais, editora Temas e Debates, 1ª edição, janeiro de 2008, pág. 103-105, ISBN 978-972-759-993-6.
Cortesia de Temas e Debates

Cortesia de João Oliveira e Costa/Nuno Senos/JDACT