domingo, 11 de julho de 2010

Miguel Torga: Nasce em Trás-os-Montes. Filho de gente do campo, não mais se desliga das origens, da família, do meio rural e da natureza que o circunda. As fragas, as serranias, a magreza da terra, o suor para dela arrancar o pão, os próprios monumentos megalíticos. Évora e os seus monumentos atraem-no vivamente. Ela sintetiza a diversidade dos povo anteriores, latinos, mouros e os outros...

(1907-1995)
S. Martinho de Anta, Sabrosa
Cortesia de wikipédia 
Adolfo Correia da Rocha, que será conhecido por Miguel Torga, nasce em Trás-os-Montes. Filho de gente do campo, não mais se desliga das origens, da família, do meio rural e da natureza que o circunda. Mesmo quando não referidos, estão sempre presentes o Pai, a Mãe, o professor primário Sr. Botelho, as fragas, as serranias, a magreza da terra, o suor para dela arrancar o pão, os próprios monumentos megalíticos em que a região é pródiga. Emigra para o Brasil em 1920 onde trabalha na fazenda do tio. A dureza da «capinagem» do café. O tio apercebe-se das suas qualidades. Paga-lhe ingresso e estudos no liceu de Leopoldina, onde os professores notam as suas capacidades.
Regressa a Portugal em 1925. Entra da Faculdade de Medicina de Coimbra. Participa moderadamente na boémia coimbrã. Ainda estudante publica os seus primeiros livros. Com ajuda financeira do tio brasileiro conclui a formatura em 1933.
Cortesia de portuguesferrol
A família é um dos pontos fulcrais da sua vida. O pai, com quem a comunicação se faz quase sem necessidade de palavras, é um dos fortes esteios da sua ternura, amor e respeito. Cortei o cabelo ao meu pai e fiz-lhe a barba.(...) Foi sempre bonito, o velhote... Recorda os braços do pai pegando pela primeira vez na neta, recém nascida. O mesmo amor em poemas dedicados à mãe. Por sua mulher e filha um afecto profundo, também.
Uma parcela de arrogância, um certo distanciamento dos homens, timidez comum aos homens vindos dos meios humildes:
  • Nem sempre escrevi que sou intransigente, duro, capaz de uma lógica que toca a desumanidade. (...) Nem sempre admiti que estava irritado com este camarada e aquele amigo. (...) A desgraça é que não me deixam estar só, pensar só, sentir só.

O desejo de perfeição absoluta e de verdade:
  • Que cada frase em vez de um habilidoso disfarce, fosse uma sedução (...) e um acto sem subterfúgios. Para tanto limpo-a escrupulosamente de todas as impurezas e ambiguidades.

Não dá nada a ninguém, diz-se. Imensas consultas gratuitas como médico, desmentem a atoarda. Não dispõe de recursos folgados, confidencia a alguns amigos. Compreende-se: por motivos políticos, a sua mulher, Profª. Andrée Crabbé Rocha, é proibida de leccionar e, ao longo dos anos iniciais, altos são os custos editoriais do que publica...

Cortesia de academialiteraria
A ideia da morte e da solidão acompanham-no permanentemente. Desde criança mantêm-se presentes no corpo e no espírito. Dos vinte e cinco poemas insertos no último volume do Diário, cerca de metade evocam-nas. Não porque atinja já uma idade relativamente avançada ou sofra de doença incurável. Na casa dos quarenta e até antes, já o envolvem. Não se traduzem em medo, mas no sentido do limite. Criança ainda, uma noite, sozinho, (...) desamparado e perplexo, assiste à morte do avô. O que não será estranho à obsessão.
No enterro de Afonso Duarte, ao fazer o elogio fúnebre afirma que a morte purifica os sentimentos. O homem é, por desgraça, uma solidão: Nascemos sós, vivemos sós e morremos sós.
Viajante incansável por todo o país e estrangeiro. Visita a China e a Índia já próximo dos oitenta anos. Pareço um doido a correr esta pátria e nem chego a saber por quê tanta peregrinação.

Cortesia wikipédia
Os monumentos entusiasmam-no. Os Jerónimos, a Batalha e Alcobaça têm sentido na Alma da nação. Mafra é uma estupidez que justifica uma punição aos reis que fizeram construir o convento. Os monumentos paleolíticos fascinam-no.
«Sou uma encruzilhadas de duas naturezas». De variadíssimas, dirá quem bem o conhece...
A sua desconfiança e menos paciência com os intelectuais é bastante viva: «converso até onde me vejo obrigado, (...) largo-o logo que posso e regresso a um convívio menos tenso e mais fecundo, (...) sem esperança nos letrados, (...) junto dos analfabetos encontro ainda o riso, a indignação, o espanto...»

Cortesia de desencontrarte
O Reino Maravilhoso de Trás-os-Montes, é um dos seus grandes amores. Sempre na sua alma viaja com ele, parece vê-lo em toda a parte. Surge a cada momento na sua prosa. Sempre enaltecida como terra de Deus e dos deuses. Não sendo apenas dele, sê-lo-á apenas dos que queiram merecê-lo. Assim o diz em Portugal, onde faz um quadro de outro dos seus amores: o país. Esta adoração conduz a excessos. No vizinho Minho mostra-se enfastiado com a presença permanente do verde. Desanimado, à procura de um Minho com menos milho, menos erva, menos videiras de enforcado. Encontra-o onde a relva dá lugar à terra nua, parda, identificada com o panorama humano. Ou seja: com o seu Trás-os-Montes natal. Nesse seu torrão vê o que os outros não conseguem ver. Um paraíso onde basta estender a mão e logo se desentranha em batatas, azeite, figos, nozes. Um sem número de outras riquezas e mimos que nenhuma imaginação descreve. Reconhece que o estar bem jantado é condição para admirar a beleza da cor e do relevo dos cumes das serranias...
O exagero atinge níveis que só a simbiose da paixão com a poesia e os sem limites da genialidade explicam. As rixas entre os naturais que às vezes se agridem, (...) que parecem feras, resulta de uma exacerbação de puras e cristalinas virtudes...

Cortesia de maisevora
Évora e os seus monumentos atraem-no vivamente. Ela sintetiza a diversidade dos povo anteriores, latinos, mouros e os outros...
Um tanto estranhamente aceita o conceito da multicontinentalidade, embora temperado pelo seu humanismo universalista. Mais tarde vinca as diferenças de privilégios entre as duas etnias. Cada monumento, cada pedra, cada planície, o mar, a serra, desde que portugueses, são fervorosamente enaltecidos...
Um certo iberismo: a minha pátria cívica acaba em Barca de Alva, (...) a telúrica nos Pirinéus. Não reflecte uma posição pela união política. É feito das própria referências a um legado cultural e um destino comuns. Em A Vida (Poemas Ibéricos) ao referir os povos vasco, andaluz, galego, asturiano, catalão e português, esquece os castelhanos. Colocando os heróis lado a lado, chama desumano e brutal a Cortez, enquanto de Albuquerque parece apenas que chora o seu chorar:

(...) Por isso a Índia há-de acabar em fumo
Nesses doirados paços de Lisboa;
Por isso a pátria há-de perder o rumo
Das muralhas de Goa.

Publicado antes do livro, nos Poemas Ibéricos sobressairá o que dedica a Lorca. Antecedendo o prefácio da sua mulher à edição bilingue (português e castelhano em tradução de Eugénio de Andrade), Torga diz trazer torgas à rosa de Granada e que virá enquanto houver poesia, vida e povo na Ibéria.
Coimbra é uma das ligações de Torga à vida. Aí estuda e, depois de 1939, aí exerce medicina, aí vive, aí a sua actividade criadora se revela como vulcão em permanente actividade. Tem as suas tertúlias e os seus amigos e passa todos os dias umas horas de cavaqueira com o seu amigo João Fernandes, antes de chegar ao Central, à Brasileira ou ao Arcádia. Coimbra suscita-lhe sentimentos opostos: paixão e timidez, a humildade e a desumildade, a (des)valorização do que está próximo. As suas posições políticas ligam-se aos seus conceitos criticas quanto ao ensino universitário de então. A Universidade, casarão para ensinar camponeses (...) defende-se de toda a originalidade ou pensamento subversivo (...). A mistificação da borla e capelo. Devoto de tudo o que é belo e monumental, no seu Portugal não tem uma palavra para a Igreja de Santa Cruz, para a Sé Velha, Almedina, Igreja de Santiago. Ou para as ruelas da Baixa, com o seu encanto especial que não deixa ninguém indiferente.

Cortesia de purl
A «tradição parola» explica este estado de espírito. Mais longamente exposto em trecho intitulado A Formatura transcrito em Memórias de Alegria, volume antológico organizado por Eugénio de Andrade, onde se fala das praxes e tradições do meio académico. Sempre as combateu abertamente. À capa e batina, símbolos anacrónicos, chama farda. Crime de lesa praxe, efectua o seu acto de formatura com o seu fato banal. Não evita que as suas vestes, conforme o costume, sejam rasgadas e destruídas pelos colegas.

Cortesia de placidooliveira
Mas Coimbra é um dos seus amores. Aí vive, trabalha e passa o seu tempo. A mais bela cidade do pais", (...) cenário para um perpétuo renascimento do espírito.
Não é fácil, com rigor, situar Torga politicamente. Antes do 25 de Abril, sem dúvida é um homem da oposição, do «contra». Várias prisões e algumas das suas obras apreendidas. Viajando a Paris aí convive com exilados que, em grande número, virão a constituir o Partido Socialista. Sugerem-lhe que com eles fique. Recusa com o argumento de que não se ajustará à distância do Pais. Volta, é preso e encerrado no Aljube. O passaporte é-lhe negado várias vezes.
Preside á primeira reunião do órgão regional do Centro do Partido Socialista. Esclarece que não é filiado, e que o faz na qualidade de homem socialista que sempre foi. É mais sensível a uma ética do que a uma ideologia, mais (...) fraterno que disciplinadamente correligionário.

Cortesia de foranadaevaotres
Afirma que não será com sistemas e métodos alheios (...) que permaneceremos de bem com o nosso semblante constitutivo e lançados na senda progressiva da democracia, (...) só o conseguiremos mediante soluções originais. (...) O capitalismo não hesita mesmo diante de um leito de sofrimento; aponta a sua incorrigível voracidade e, em outro trecho, vê raízes judaico-cristãs no comunismo. Uns anos antes, a respeito dos intelectuais nos palcos da política, dissera: nada há de menos sociológico de que a aplicação a uma comunidade viva do estrito espírito do sistema. E acusa Sartre de ter posto o preconceito acima do conceito com o fim de promover a sua imagem, sem se importar de ter eventualmente corrompido gerações inteiras. A sua manifesta impaciência para com os políticos e o seu distanciamento do poder, concilia-se com afirmações de que tem uma raiz anarquista. Os seus sentimentos políticos lembram um socialismo proudhoniano, com fortes interacções de um anarquismo nobre, profundamente humano, não violento. Sempre em oposição com o poder constituído, pelo que o poder representa de afastamento do humano que lhe serve de suporte. O 25 de Abril, a par do sentido de libertação traz-lhe algumas desilusões - as perseguições, a procura de lugares. A política é para eles (os políticos) uma promoção e, para mim, uma aflição. Com ironia e descrença relata conversas que os políticos têm com ele, independentemente da convergência ou divergência no plano partidário.

Retrato de Miguel Torga a carvão de Isolino Vaz
Cortesia de cm-coimbra

Não apoia nem tem a mínima simpatia pela União Europeia. Ela ofende o seu espirito patriótico e o seu ideal de Pátria. É o repúdio de um poeta português pela irresponsabilidade com que meia dúzia de contabilistas lhe alienaram a soberania.
Sobre a regionalização, pergunta:

  • o mundo a braços com o drama das diversidades e nós, que há oitocentos anos temos a unidade nacional no território, na língua, nos costumes e na religião, vamos desmioladamente destruí-la?
Decide adoptar o pseudónimo de Torga. Em 1934, aos 27 anos, Adolfo Correia Rocha autodefine-se pelo pseudónimo que criou, "Miguel" e "Torga". Miguel, em homenagem a dois grandes vultos da cultura ibérica: Miguel de Cervantes e Miguel de Unamuno. Já Torga é uma planta brava da montanha, que deita raízes fortes sob a aridez da rocha, de flor branca, arroxeada ou cor de vinho, com um caule incrivelmente rectilíneo. A sua campa rasa em São Martinho de Anta tem uma torga plantada a seu lado, em honra ao poeta.

Não escolhe o nome por acaso. Torga, ou urze, planta bravia, humilde, espontânea e com o seu habitat no chão agreste por todo o Portugal, mas particularmente nas serranias do norte, é o correspondente no reino vegetal dessa força que será o poeta e o prosador.
Mais que um prenúncio é todo um programa. Da insubmissão à própria natureza e, em todos os outros planos, humano, político, social, que constituirão a sua obra, plena de força, independência e intransigência. Contra todas as barreiras, vertentes aparentemente contraditórias mas que se complementam, expõe a sua verdade sem quaisquer restrições na apreciação de pessoas, acontecimentos e factos; não receia atacar o estabelecido ao mesmo tempo que não põe de lado conceitos conservadores em que acredita; altera as suas próprias posições desde que a "sua" verdade o exija. Não há uniformidade de critério possível perante a surpreendente e paradoxal diversidade da vida (Diário XII, p.133).
Na década de 20, as suas primeiras publicações, ainda estudante, são assinados por Adolfo Correia da Rocha, o nome de baptismo.
Adere, logo na fundação, ao grupo da Presença com a companhia dos grandes poetas do tempo. Sai em 1930, com Branquinho da Fonseca e Edmundo Betancourt, por considerar haver imposição de limites à liberdade criativa.
Equipara à morte a (má) sorte das posições sem relevo (Altitude). O esforço de todos os momentos da vida e na produção literária...
Funda com Branquinho da Fonseca uma nova revista, Sinal, que tem um percurso bastante curto. Mais tarde, com Albano Nogueira, uma outra, Manifesto. Efémera também.

Cortesia de pimentanegra
A obra de Torga tem um carácter humanista: criado nas serras trasmontanas, entre os trabalhadores rurais, assistindo aos ciclos de perpetuação da Natureza, Torga aprendeu o valor de cada homem, como criador e propagador da vida e da Natureza: sem o homem, não haveria searas, não haveria vinhas, não haveria toda a paisagem duriense, feita de socalcos nas rochas, obra magnífica de muitas gerações de trabalho humano. Ora, estes homens e as suas obras levam Torga a revoltar-se contra a Divindade Transcendente a favor da imanência: para ele, só a humanidade seria digna de louvores, de cânticos, de admiração: (hinos aos deuses, não/os homens é que merecem/que se lhes cante a virtude/bichos que cavam no chão/actuam como parecem/sem um disfarce que os mude).
Para Miguel Torga, nenhum deus é digno de louvor: na sua condição omnisciente é-lhe muito fácil ser virtuoso, e enquanto ser sobrenatural não se lhe opõe qualquer dificuldade para fazer a Natureza - mas o homem, limitado, finito, condicionado, exposto à doença, à miséria, à desgraça e à morte é também capaz de criar, e é sobretudo capaz de se impor à Natureza, como os trabalhadores rurais trasmontanos impuseram a sua vontade de semear a terra aos penedos bravios das serras. E é essa capacidade de moldar o meio, de verdadeiramente fazer a Natureza mau grado todas as limitações de bicho, de ser humano mortal que, ao ver de Torga fazem do homem único ser digno de adoração.
Considerado por muitos como um avarento de trato difícil e carácter duro, foge dos meios das elites pedantes, mas dá consultas médicas gratuitas a gente pobre e é referido pelo povo como um homem de bom coração e de boa conversa.
Torga era conhecido popularmente nos meios intelectuais de Coimbra como o rei dos chatos.

Prosa:
  • 1931 - Pão Ázimo;
  • 1931 - Criação do Mundo;
  • 1934 - A Terceira Voz;
  • 1937 - Os Dois Primeiros Dias;
  • 1938 - O Terceiro Dia da Criação do Mundo;
  • 1939 - O Quarto Dia da Criação do Mundo;
  • 1940 - Bichos;
  • 1941 - Contos da Montanha."Diário I";
  • 1942 - Rua;
  • 1943 - O Senhor Ventura. "Diário II";
  • 1944 - Novos Contos da Montanha;
  • 1945 - Vindima;
  • 1946 - "Diário III";
  • 1949 - "Diário IV";
  • 1951 - Pedras Lavradas. "Diário V";
  • 1953 - "Diário VI";
  • 1956 - "Diário VII";
  • 1959 - "Diário VIII";
  • 1964 - "Diário IX";
  • 1968 - "Diário X";
  • 1973 - "Diário XI";
  • 1974 - O Quinto Dia da Criação do Mundo;
  • 1976 - Fogo Preso;
  • 1981 - O Sexto Dia da Criação do Mundo;
  • 1982 - Fábula de Fábulas.
Peças de teatro:
  • 1941 - "Terra Firme" e "Mar";
  • 1947 - Sinfonia;
  • 1949 - O Paraíso;
  • 1950 - Portugal;
  • 1955 - Traço de União;
Poesia:
  • Frustração;
  • Liberdade;
  • Viagem;
  • Portugal;
  • Poema Melancólico a não sei que Mulher;
  • Quase um Poema de Amor;
  • Mãe;
  • Identidade;
  • Esperança;
  • Inocência;
  • Princípio;
  • Conquista;
  • Tempo;
  • Fraternidade;
  • Cântico de Humanidade;
  • Da Realidade;
  • À Beleza;
  • Aos Poetas;
  • Amor
... venha o anjo da visita e do poema,
 e traga o lume e a lenha
o incêndio pedido.
Em 1950 o Cântico do Homem, logo reeditado. Sem pôr de lado a resistência e a esperança, cântico de lamento da condição humana:
Mas o fruto humilhante da falência
Tem um azedo gosto que me excita
(...)
Junquem de flores o chão do velho mundo:
Vem o futuro aí!

Não se confina aqui a produção poética. Em 1941 começa a publicação do Diário que, ao longo de dezasseis volumes, incluirá inúmeros poemas ao lado de prosa variada. Apreciação dos acontecimentos mais variados, introspecção intimista, poesia, crónica e análise política, social, critica de costumes, apontamentos de paisagem. Exame de culturas, impressões de viagem. Seria suficiente para que Torga fosse considerado dos maiores, não só do século, mas de sempre, não apenas português mas universal.
Jorge Amado considerá-lo-á acima dos prémios, inclusive do Nobel, para que é proposto em 1960. Sem êxito, possivelmente por interferências do Poder de então. Voltará a ser considerado uns anos mais tarde, não lhe tendo sido atribuído, como se sabe.
São-lhe entretanto atribuídos vários prémios:
  • Em 1976 o "Prémio Internacional de Poesia" de Knokke-Heist;
  • "Prémio Montaigne", da Fundação Alemã F.V.S;
  • Em 1989 o "Prémio Camões";
  • "Prémio Personalidade do Ano" (1991);
  • Prémio "Vida Literária" da Associação Portuguesa de Escritores, na sua primeira atribuição (1992);
  • Em 1969 o prémio literário "Diário de Notícias";
  • Em 1980, ex-aecquo com Carlos Drummond de Andrade, o "Prémio Morgado de Mateus".
Aos Poetas
Somos nós
As humanas cigarras.
Nós,
Desde o tempo de Esopo conhecidos...
Nós,
Preguiçosos insectos perseguidos.

Somos nós os ridículos comparsas
Da fábula burguesa da formiga.
Nós, a tribo faminta de ciganos
Que se abriga
Ao luar.
Nós, que nunca passamos,
A passar...

Somos nós, e só nós podemos ter
Asas sonoras.
Asas que em certas horas
Palpitam.
Asas que morrem, mas que ressuscitam
Da sepultura.
E que da planura
Da seara
Erguem a um campo de maior altura
A mão que só altura semeara.

Por isso a vós, Poetas, eu levanto
A taça fraternal deste meu canto,
E bebo em vossa honra o doce vinho
Da amizade e da paz.
Vinho que não é meu,
Mas sim do mosto que a beleza traz.

E vos digo e conjuro que canteis.
Que sejais menestréis
Duma gesta de amor universal.
Duma epopeia que não tenha reis,
Mas homens de tamanho natural.

Homens de toda a terra sem fronteiras.
De todos os feitios e maneiras,
Da cor que o sol lhes deu à flor da pele.
Crias de Adão e Eva verdadeiras.
Homens da torre de Babel.

Homens do dia-a-dia
Que levantem paredes de ilusão.
Homens de pés no chão,
Que se calcem de sonho e de poesia
Pela graça infantil da vossa mão.
Miguel Torga, in 'Odes'

Cortesia de vidaslusofonas/JDACT