segunda-feira, 26 de julho de 2010

Navegações Portuguesas: Parte I. Navegação à Bolina

Cortesia de prof2000
Com a devida vénia a António Gonçalves e ao Instituto-Camões, publico algumas palavras. 

A navegação à bolina é, por definição, aquela que é efectuada com o vento aparente para vante do través, ou seja, menos de 90º relativamente à proa do navio, que o mesmo é dizer menos de 8 quartas. Uma quarta, por conseguinte, equivale a 11º,25 ou 11º15’. Com o vento aberto entre os 90º e os 157º,5 (8 a 14 quartas) o navio navega a um largo e com o vento a entrar por um ângulo superior a 14 quartas, navega à popa.

Contrariamente a uma ideia mais ou menos generalizada, nenhum navio à vela pode navegar contra o vento. Para se deslocar na direcção de onde sopra o vento – ganhar barlavento –, terá que fazer bordos, navegando em zigue-zague, a uma bolina tanto maior – menor ângulo com o vento – quanto as suas velas e o seu aparelho permitam. Por norma, um navio de pano latino – velas que envergam no sentido longitudinal do navio (e.g. caravela) – pode navegar mais chegado ao vento (bolina cerrada) do que um navio de pano redondo – velas que envergam no sentido transversal do navio (e.g. nau). Esta razão deve-se ao facto de as vergas – paus onde enverga o pano redondo – terem o seu movimento para vante limitado, devido à presença das enxárcias – cabos que seguram o mastro para a borda. Como tal, o ângulo com que a vela pode receber o vento é sempre menor do que aquele em que a vela já está, à partida, envergada no sentido proa-popa. Esta é a justificação pela qual, muitas das vezes mal explicada, se diz que uma caravela podia andar contra o vento. O que não corresponde minimamente à verdade. É que a navegação à vela para Portugal, da Mina ou do arquipélago de Cabo Verde, só podia ser feita à bolina, pois a presença constante dos ventos alísios de nordeste (NE) a isso obrigava. Os navios tinham, consequentemente, que se afastar muito da costa e fazer a volta pelo largo, de forma a tornar possível a viagem, indo passar perto dos Açores. Com uma caravela, em vez de um navio de pano redondo, esse afastamento, ou volta pelo largo, seria um pouco menor. Mas não muito. É que, quanto mais cerrada for a bolina, maior é o abatimento – ângulo entre a proa e o rumo. No trajecto entre Cabo Verde e o cabo da Boa Esperança também os navios navegavam à bolina, até atingirem uma latitude próxima da do cabo. Nestas circunstâncias, sendo as mais das vezes navios redondos – naus – a fazer a viagem para a Índia, o afastamento da costa ocidental africana era enorme e passavam, inclusivamente, muito próximo da costa brasileira. O que terá levado ao descobrimento do Brasil, logo na segunda viagem da carreira, por Pedro Álvares Cabral.

Cortesia do Instituto-Camões

Apesar de muito se ter escrito acerca das capacidades de bolinar dos navios portugueses dos séculos XV-XVI, nem sempre as teses estão devidamente fundamentadas. E não por falta de documentação que refira as limitações de naus e caravelas. Indirectamente são fornecidas muitas informações por D. António de Ataíde na sua obra Viagens do Reino para a Índia e da Índia para o Reino (1608-1612), quando refere a proa a que os navios navegam e a direcção de onde sopra o vento. Mais explícito é o padre Fernando Oliveira, na sua Arte da Guerra do Mar, que escreve: «Os ventos que seruem pera qualquer derrota, sam os que vam com nosco, quero dizer, os que vão donde nos estamos pera laa onde imos. E vão com nosco todos os que ficão da ametade da roda ou circolo pera trás [mais de 90º com a proa], conuem asaber se irmos pera o sul, seruem largos todos os ventos que ficão da banda do norte de leste atee loeste,... qualquer destes leuaraa qualquer nauio do norte pera o sul sem trabalho. Tambem tomão as vezes os nauios do outro meyo circolo[menos de 90º com a proa], hua quarta e meia [cerca de 16º],... em especial os latinos... porem he cõ trabalho,... e descaem muyto do rumo sem aproueytar no caminho». De uma forma geral, como regra prática, e com base na documentação consultada, podemos concluir que um navio de pano redondo poderia navegar, no limite, com o vento relativo nas 6 quartas – cerca de 68º – a contar da proa. Por seu turno, uma caravela poderia bolinar com o vento relativo nas 5 quartas – cerca de 56º – a contar da proa. No entanto, em qualquer dos casos limites de bolina seriam de esperar cerca de 10º a 15º de abatimento relativamente à proa, o que tornava este tipo de mareação pouco eficaz. Era por isso preferível, não existindo obstáculos que o justificassem – e.g. baixos, ilhas, cabos – optar por uma mareação em que o vento fosse menos escasso. Cortesia de António Gonçalves.


Para se navegar contra o vento, a vela é colocada de modo a que o seu plano divida aproximadamente em partes iguais o ângulo formado pela direcção do barco e a direcção do vento. O vento empurra a vela sempre segundo um ângulo perpendicular ao plano que ela define. A força do vento pode ser decomposta em duas componentes: uma força que obriga o ar a deslocar-se ao longo da vela (a verde) e outra que é a que exerce pressão sobre a vela (a azul claro). A resistência da água impede que um barco se mova lateralmente. Um barco tem de avançar na direcção da sua proa. ..A força que exerce pressão sobre a vela (a azul claro) pode ser decomposta em duas componentes: uma força que tenta deslocar o barco lateralmente mas apenas o consegue inclinar (a preto) e outra que é a que efectivamente faz o barco avançar (a azul escuro). Por isso, a maior parte da força do vento (a verde) faz simplesmente com que o ar corra pela vela saindo pela rectaguarda, uma outra parte (a preto) inclina o barco e, finalmente uma pequena parte (a azul escuro) faz com que o barco navegue à bolina.

Bibliografia:
  • ATAÍDE, António de, Viagens do Reino para a Índia e da Índia para o Reino – 1608-1612, 3 vols., Lisboa, Agência-Geral do Ultramar, 1962;
  • OLIVEIRA, Fernando, A Arte da Guerra do Mar, Lisboa, Ministério da Marinha, s.d.
Instituto Camões, 2002

Cortesia do Instituto Camões/JDACT