terça-feira, 16 de outubro de 2012

A Alma Secreta de Portugal. A Reabilitação Científica do Esoterismo. «O quarto elemento é justamente esta noção de transmutação, ou de iniciação, sem a qual não haveria esoterismo mas apenas uma forma de espiritualismo especulativo. A ideia de transmutação é fundamental porque este olhar de fogo, esta imaginação…»

O mensageiro do 515. Tela de Lima de Freitas
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(continuação)
A Reabilitação Científica do Esoterismo
Entrevista com José Manuel Anes

Paulo: E, inclusive, participaram físicos, biólogos...
José: Sem dúvida! Shrödinger, Portmann, Wolfgang Pauli, etc. Todos os anos havia uma reunião patrocinada por uma mecenas desse Círculo Eranos, que publicava um livro de actas anual, o Eranos Yearbooks, o qual desempenhou um grande papel no estudo das tradições espirituais, não só ocidentais mas também orientais, com o contributo de investigadores de nomeada. Qualquer que seja a posição que se tenha em relação a Jung, a verdade é que, embora, para já, nem todas as correntes da psicologia moderna aceitem o seu pensamento, foi um grande intelectual e um grande homem de espiritualidade, que valorizou imenso as tradições da gnose e do hermetismo.
Paulo: Aliás, em determinada altura teve de renunciar aos seus trabalhos sobre textos gnósticos devido à pressão dos seus pares. Mas também há um outro aspecto: a base dos seus trabalhos foram décadas de estudo e experiência como psicólogo clínico.
José: Era um profundo conhecedor de todos os textos gnósticos que, na época, eram conhecidos; e também da mística, da alquimia, desde a época helenística, alexandrina, etc. Era um estudioso profundo dessas correntes, encontrando nelas pontos de convergência com as suas teorias psicológicas...
Paulo: Em paralelo com o facto de, como psicólogo, ter sido consultado por milhares de pacientes...
José: Ele tinha uma prática psicológica intensa, que lhe serviu de base para encontrar alguns pontos de contacto entre sonhos que alguns dos seus doentes tinham e diversos textos simbólicos de alquimia. Isso é interessante. Foi um dos aspectos que lhe deu fundamento, na sua perspectiva, para a doutrina do inconsciente colectivo, e também da individuação, com um caminho quase de psicoterapia iniciática com vista à integração da personalidade numa dimensão espiritual. Naturalmente que as mentalidades mais positivas gostam de separar as áreas. Terão o seu direito de o fazer. Por exemplo, não gostam muito que se misture a psicologia com a espiritualidade. Mas o facto é que os caminhos da espiritualidade tinham, e têm, efeitos psicoterapêuticos, isso é indiscutível.
Paulo: E há aquela ideia de Jung que nos pode levar ao conceito do mundo imaginal, quando ele afirmou: "Eu fui um inconsciente que se realizou. Toda a minha vida foi isso." Revelação que complementou: "O consciente tem uma força limitada no ser humano", quer dizer o ser humano, se se desequilibra, o inconsciente irrompe, cria o caos psíquico (neuroses, por exemplo). No fundo, é uma visão concordante com a que Edgar Morin costuma salientar: devemos equilibrar o homo demens, o poético, o intuitivo, com o homem racional, o homo sapiens.
José: Sendo uma tarefa difícil, constitui realmente o grande desafio. É esse o objectivo da alquimia, a coincidentia opositorum, a síntese dos contrários. Contrários, mas complementares. É, curiosamente aquilo que as tradições espirituais indicavam; que era preciso unir essas duas perspectivas, estas polaridades contrárias. voltando ao Antoine Faivre, que deu uma contribuição interessante, é preciso assinalar, no entanto, que para ele só existe esoterismo no Ocidente, o que é uma visão um pouco restrita do esoterismo. Mas veremos que a sua tese tem algum sentido. Ele distancia-se de outro grande especialista e teórico do esoterismo que é Rifar, tem um livro traduzido em português sobre a história do esoterismo, para o qual existe esoterismo africano e esoterismo oriental. Mas Antoine Faivre diz, quanto a mim com alguma razão, que o esoterismo no Ocidente constitui-se, progressivamente, como disciplina autónoma sobretudo a partir dos finais da Idade Média, porque a teologia e a ciência vão expulsando paulatinamente uma série de temas que integravam. Ora no oriente isso não se passa. Não se passa, porque a teologia contém os temas esotéricos e assim não há necessidade de constituir uma disciplina à parte. As religiões são em grande parte esotéricas, umas mais do que outras, ao passo que no ocidente houve uma preocupação em extirpar, em afastar aqueles temas mais inquietantes, que pertenciam ao imaginário mais perturbador, sendo isso colhido progressivamente por correntes esotéricas que se têm formado ao longo dos séculos, constituindo o que Antoine Faivre denomina como o esoterismo ocidental moderno, com existência, sobretudo, a partir do Renascimento.

Banco de pedra inspirado no 515 de Dante, Quinta da Regaleira
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Os Quatro Elementos Constitutivos do Esoterismo
“O quarto elemento é justamente esta noção de transmutação, ou de iniciação, sem a qual não haveria esoterismo mas apenas uma forma de espiritualismo especulativo. A ideia de transmutação é fundamental porque este olhar de fogo, esta imaginação, este conhecimento das correspondências, são destinados a conduzir a uma transformação do ser”. In Antoine Faivre.

Paulo: Antoine Faivre diz-nos que o esoterismo é uma ‘forma de pensamento’, da mesma maneira que existem outras formas de pensamento, como o pensamento científico-cartesiano e o pensamento teológico. Esta forma de pensamento, o esoterismo ocidental, tem, para Faivre, quatro elementos constitutivos: a Ideia das Correspondências (a analogia, tudo está relacionado com tudo); a Natureza Viva; a Imaginação Criadora e a noção de Transmutação, de Iniciação. Esta ideia da Natureza Viva, do mundo como um Macróbios, esta visão panteísta, segundo a qual tudo na Natureza está vivo, tem alma, proporcionando uma solidariedade cósmica entre os seus componentes; e tem reflexos profundos no inconsciente colectivo e na religião popular do nosso país: é aquela fonte santa, aquele penedo da fertilidade, etc, etc. Continua.

In Paulo Loução, A Alma Secreta de Portugal, Ésquilo Edições & Multimédia, 2004, ISBN 972-8605-15-3.

Cortesia de Ésquilo/JDACT