Porto de Cádiz. 7 de Janeiro de 1748
«(…) Sobressaltou-se diante do
homem que lhe impedia a passagem. À igreja dos Anjos, respondeu ela. Felicito-te,
disse ele com sarcasmo. Ali estão os negrinhos. Mas, para chegar aos teus,
primeiro terás de pagar-me. Caridad se surpreendeu olhando o cobrador de
pedágio directamente nos olhos. Aturdida, corrigiu sua atitude, descobriu-se e
baixou o olhar. Não…, não tenho dinheiro, balbuciou. Nesse caso não há
negrinhos. Vai-te daqui. Tenho muito trabalho. Fez menção de dirigir-se a
cobrar o pedágio a um moleiro que esperava atrás de Caridad, mas, ao ver que esta
continuava ali parada, virou-se de novo para ela. Fora ou chamo os aguazis! Depois
de deixar a ponte é que, sim, se sentiu observada. Não tinha dinheiro para
cruzar para Sevilha. Assim, o que podia fazer? O homem da ponte não lhe havia
dito como conseguir dinheiro. Aos seus vinte e cinco anos, Caridad jamais havia
ganhado uma simples moeda. O máximo que havia chegado a conseguir, além da
comida, da roupa e do barracão para dormir, era a fuma, o tabaco que o senhor lhes dava para
seu consumo pessoal. Como podia ganhar dinheiro? Não sabia fazer nada que não
fosse cuidar de tabaco… Afastou-se das pessoas, retirou-se para o rio e
sentou-se na sua margem. Era livre, sim, mas de pouco lhe servia essa liberdade
se nem sequer podia atravessar uma ponte. Sempre lhe haviam dito o que tinha de
fazer. Sempre havia sabido o que tinha de fazer desde que o sol nascia até que se
punha, dia após dia, ano após ano. Que ia fazer agora? Foram muitos os
trianeiros que à sua passagem pela ribeira contemplaram a figura de uma negra
sentada na margem, imóvel, com o olhar perdido…, no rio, em Sevilha ou talvez
nas suas recordações ou no incerto futuro que se lhe abria pela frente. Algum
deles voltou a passar ao fim de uma hora, outros ao fim de duas, até de três ou
quatro, e a mulher negra continuava ali.
Ao anoitecer, Caridad sentiu fome
e sede. A última vez que havia comido e bebido havia sido com o grumete, que compartilhou
com ela um pão duro e mofado e um pouco de água. Decidiu fumar para disfarçar
sua penúria, como faziam todos os escravos na veiga quando o cansaço ou a fome
os assaltavam. Talvez por isso o senhor fosse generoso com a fuma: quanto mais fumavam, menos comida
tinha de proporcionar-lhes. O tabaco substituía muitos bens e até se trocava
por novos escravos. O cheiro do charuto atraiu dois homens que andavam pela
margem. Disseram-lhe que queriam fumar. Caridad obedeceu e lhes entregou seu
charuto. Fumaram. Conversaram entre si passando o charuto de um para outro,
ambos de pé. Caridad, ainda sentada, pediu-o para si estendendo o braço. Queres
ter algo na boca, negra?, disse rindo um dos homens. O outro soltou uma
gargalhada e puxou o cabelo de Caridad para levantar-lhe a cabeça ao mesmo
tempo que o primeiro arriava os calções. Caridad não opôs resistência e
prestou-se à felação. Parece que ela gosta, disse, nervoso, aquele que a agarrava
pelo cabelo. Gosta, negra?, perguntou-lhe enquanto pressionava a cabeça contra
o pé… do seu companheiro. Depois a montaram um após o outro e a deixaram ali estirada.
Caridad recompôs o vestido. Onde
estaria o resto do charuto? Havia visto que um deles o atirava antes de a agarrarem
pelo cabelo. Talvez não houvesse chegado à água. Arrastou-se entre a relva e os
juncos, apalpando o chão, atenta para o caso de o resto ainda estar aceso… E estava!
Pegou-o e, de bruços, tocando a água, aspirou com todas as suas forças. Sentou-se
de novo e permitiu que seus pés se molhassem na margem. Fazia frio, mas nesse
momento não o notava; não sentia nada. Devia gostar? Isso lhe havia perguntado um
deles.
Quantas vezes lhe haviam
perguntado o mesmo? O senhor já o havia feito quando era somente uma boçal, uma
menina recém-arrancada da sua terra. Então nem sequer chegou a entender o que
lhe perguntava aquele homem que a manuseou e babou antes de rasgá-la. Depois,
depois de muitas vezes, após sua gravidez, substituiu-a por uma nova menina, e
então foram o capataz e os demais escravos da negrada os que lhe perguntavam
entre arquejos. Um dia voltou a parir…, a Marcelo. A dor que sentiu nessa ocasião,
quando se lhe fendeu o ventre depois de horas de parto, indicou-lhe que nunca
mais teria outro filho. Gosta?, perguntavam-lhe aos domingos, no baile, quando
algum escravo a pegava pelo braço e a levava para fora do barracão, ali onde
outros casais forni… também». In Ildefonso Falcones, A Rainha Descalça,
2013, Bertrand Editora, 2014, ISBN 978-972-252-815-3.
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