sábado, 13 de novembro de 2021

Notre Dame. Ken Follett. «Àquela altura, Paris devia ter suas próprias medidas padronizadas, que ficavam à mostra na região do cais, junto à margem direita do Sena. Paris já era uma cidade comercial, provavelmente a maior da Europa…»

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2019

«(…) Supõe-se que tenha havido longos debates entre o bispo Maurício e seu mestre de obras, nos quais o bispo explicava seu desejo, uma igreja moderna e bem iluminada, e o mestre buscava formas de concretizar esse sonho. Mesmo assim, ambos estavam cientes de que, ao longo dos anos, à medida que a obra avançasse, o projecto seria modificado pelo surgimento de novas ideias e pela participação de novas pessoas. A altura projectada para a construção pode ter sido um tema importante dessas reuniões. Segundo o historiador Jean Gimpel, no livro Les Bâtisseurs de cathédrales (Os construtores de catedrais), toda a cidade queria que a sua fosse a igreja mais alta:

A jovem sociedade medieval representada pela burguesia, no seu entusiasmo, foi tomada pela moda do recorde mundial e fez as naves descolarem em direção aos céus.

A nave da Notre-Dame foi projectada com 33 metros de altura, a mais alta do mundo (embora não por muito tempo: seria ultrapassada pela de Chartres alguns anos depois). Enquanto isso, a antiga catedral vinha abaixo. Mas os materiais não foram descartados. As pedras em melhor condição foram empilhadas para formar as fundações da nova igreja. Até mesmo os escombros foram aproveitados, porque a parede de uma catedral medieval é uma sanduíche de duas camadas de pedra lapidada, com um recheio de entulho. Foi preciso encomendar mais pedra. Não o famoso calcaire lutécien de tom cinza-creme usado no Louvre, no Hotel des Invalides, nas casas dos milionários da indústria cinematográfica em Hollywood e nas lojas Giorgio Armani ao redor do mundo. Ele só seria descoberto no século XVII e vem de pedreiras situadas 40 quilómetros ao norte de Paris, em Oise. Na Idade Média, o custo do transporte de pedras podia ser proibitivo. Na Notre-Dame foi utilizado calcário de diversas pedreiras mais próximas, não muito além dos limites da cidade. O mestre organizava as pedras de acordo com suas características: as mais duras eram usadas para os suportes estruturais, que precisavam sustentar um peso enorme; as macias, que podiam ser esculpidas com mais facilidade, eram reservadas para os detalhes decorativos, que não suportavam carga. Uma vez finalizado o projecto, os operários precisavam de um sistema de medidas afinado. Uma jarda, uma libra e um galão não tinham os mesmos valores em todos os lugares. Cada canteiro de obras tinha a sua própria régua, uma barra de ferro que determinava para todos os operários a medida exacta de uma determinada unidade.

Àquela altura, Paris devia ter suas próprias medidas padronizadas, que ficavam à mostra na região do cais, junto à margem direita do Sena. Paris já era uma cidade comercial, provavelmente a maior da Europa, e era essencial que uma jarda de tecido, uma libra de prata ou um galão de vinho representassem a mesma medida em todas as lojas da cidade, para que os clientes soubessem o que estavam comprando. (Sem dúvida também havia comerciantes que se queixavam do excesso de regulamentação governamental!) Portanto, é provável que o mestre de obras da Notre-Dame tenha estabelecido sua régua de acordo com as medidas utilizadas pelos comerciantes parisienses. Com um projecto desenhado no piso e uma régua na mão, o mestre de obras traçou as linhas da catedral no chão onde ficava a antiga igreja e a construção pôde ter início. De repente, Paris precisava de mais artesãos e operários, principalmente pedreiros, carpinteiros e fabricantes de argamassa. Havia alguns na cidade, mas não eram suficientes para aquele ambicioso novo projecto. No entanto, os trabalhadores que actuavam na construção de catedrais eram nómadas, viajando de cidade em cidade por toda a Europa em busca de trabalho e, dessa forma, propagando inovações técnicas e estéticas». In Ken Follett, Notre Dame, 2019, Editorial Presença, 2019, ISBN 978-972-236-453-9.

Cortesia de EPresença/JDACT

Ken Follett, Literatura, Paris, JDACT,