quinta-feira, 4 de novembro de 2021

Robert K. Massie. Catarina a Grande. «Sofia assumiu facilmente o comando desses grupinhos de meninos e meninas, não apenas por ser uma princesa, mas por ser naturalmente líder, e a sua imaginação criava brincadeiras de que todos gostavam de participar»

Cortesia de wikipedia e jdact

A Infância de Sofia

«(…) A abordagem de ensino de Babet era suave em comparação à do pastor Wagner, um pedante capelão do Exército escolhido pelo pai de Sofia, fervoroso luterano, para instruir a filha em religião, geografia e história. A rígida metodologia de Wagner, memorizar e repetir, obtinha poucos progressos com a aluna que Babet descrevia como um esprit gauche e que obtinha perguntas desconcertantes, como: Porque grandes homens da Antiguidade, como Marco Aurélio, eram condenados à danação eterna se não tinham conhecido a salvação de Cristo e, portanto, não poderiam ser redimidos? Wagner respondeu que era a vontade de Deus. Qual era a natureza do universo antes da Criação? Wagner respondeu que era um estado de caos. Sofia pediu uma descrição desse caos original. Wagner não sabia. A palavra circuncisão, usada por Wagner, naturalmente accionou a pergunta: O que é isso? Wagner, estarrecido na situação em que se encontrou, recusou-se a responder. Ao descrever os horrores do Juízo Final e a dificuldade de alcançar a salvação, Wagner aterrorizou tanto a aluna que toda noite, no crepúsculo, eu ia chorar na janela. No dia seguinte, porém, ela retaliou: Como a infinita bondade de Deus pode admitir os terrores do Juízo Final? Wagner, gritando que não havia respostas racionais para essas perguntas, e o que ele ensinava deveria ser aceite pela fé, ameaçou a pupila com a bengala. Babet interveio. Mais tarde, Sofia escreveu: Estou convencida, no fundo da minha alma, de que Herr Wagner era um idiota. E acrescentou: Em toda a minha vida, sempre tive inclinação para ceder somente diante da gentileza e da razão, e para resistir à pressão. Nada, porém, nem a gentileza, nem a pressão, poderia ajudar seu professor de música, Herr Roellig, na sua tarefa. Ele sempre trazia consigo uma criatura que urrava em tom baixo, ela escreveu mais tarde a seu amigo Frederico Melchior Grimm. Ele o trazia para cantar no meu quarto. Eu ouvia e dizia a mim mesma ele urra como um touro, mas Herr Roellig exultava de prazer quando a garganta do baixo entrava em acção. Ela jamais superou sua incapacidade para apreciar a harmonia. Desejo ardentemente ouvir e apreciar música, Sofia Catarina escreveu nas suas Memoirs, mas tento em vão. É barulho aos meus ouvidos, e pronto.

A influência da didáctica de Babet Cardel na sua infância permaneceu viva na imperatriz Catarina e, anos depois, ela expressou sua gratidão: Tinha uma alma nobre, a mente culta, um coração de ouro; era paciente, gentil, animada, justa, coerente, em suma, o tipo de governanta desejável para toda criança. A Voltaire, ela escreveu que era a pupila de mademoiselle Cardel. E em 1776, quando tinha 47 anos, escreveu a Grimm: Nem sempre se pode saber o que as crianças estão pensando. É difícil entender as crianças, principalmente quando uma educação esmerada as acostuma à obediência, e a experiência as torna cautelosas na conversa com os professores. Não extrai disso a boa máxima de que não se deve ralhar muito com as crianças, mas torná-las confiantes para que não escondam suas brincadeiras de nós? Quanto mais independência Sofia demonstrava, mais sua mãe se preocupava. A menina era arrogante e rebelde, Joana definiu. Era preciso acabar com essas qualidades antes que a filha fosse oferecida em casamento. Como o casamento era o único destino de uma princesa de menor representação, Joana estava determinada a extirpar dela o demónio do orgulho. Dizia repetidamente à filha que ela era feia e impertinente. Sofia era proibida de falar, a não ser que falassem com ela, e de expressar as suas opiniões a adultos. Era obrigada a se ajoelhar e beijar a barra da saia de todas as mulheres nobres que as visitavam. Sofia obedecia. Embora privada de afeição e aprovação, ela ainda mantinha uma atitude respeitosa diante da mãe, permanecia calada, submissa às ordens de Joana, abafando as próprias opiniões.

Mais tarde, o orgulho disfarçado em humildade veio a ser reconhecido como uma táctica deliberada e útil que Sofia, renomeada Catarina, usava ao enfrentar as crises e o perigo. Quando ameaçada, ela se envolvia num manto de mansidão, deferência e temporária submissão. Aqui também se vê o exemplo de Babet Cardel, uma mulher bem-nascida que aceitou a posição inferior de governanta, mas, ainda assim, conseguiu manter o respeito próprio, a dignidade e o orgulho que a elevaram, aos olhos de Sofia, a um lugar mais alto que o de sua mãe.

Naqueles anos, Sofia era exteriormente uma criança alegre. Isso se devia, em parte, à ardente curiosidade e, em parte, à pura energia física. Tinha necessidade de grande quantidade de exercício. Passeios no parque com Babet não bastavam, e seus pais permitiam que ela brincasse com as crianças da vila. Sofia assumiu facilmente o comando desses grupinhos de meninos e meninas, não apenas por ser uma princesa, mas por ser naturalmente líder, e a sua imaginação criava brincadeiras de que todos gostavam de participar». In Robert K. Massie, Catarina a Grande, Editora Rocco, 2012, ISBN 978-853-252-799-8.

Cortesia de ERocco/JDACT

JDACT, Robert K. Massie, Literatura, Conhecimento,