sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Notre Dame. Ken Follett. «A Igreja construía catedrais. O bispo Maurício tinha recursos para executar seu projecto, ou, pelo menos, para dar início a ele. Ele contratou um mestre de obras, alguém cujo nome não sabemos…»

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2019

«(…) Tudo isso parece muito simples, mas na verdade é assombroso. A Catedral de Notre-Dame de Paris, assim como a maioria das grandes igrejas góticas que se mantêm como as mais belas construções de inúmeras cidades europeias, foi erguida na Idade Média, uma época marcada por violência, fome e peste. A construção de uma catedral era uma empreitada gigantesca, que se estendia por décadas. A Catedral de Chartres levou 26 anos para ser erguida, e a de Salisbury, 38 anos, mas ambos os projectos foram extraordinariamente rápidos. A Notre-Dame de Paris levou quase cem anos, e melhorias continuaram sendo feitas depois disso. Foram necessárias centenas de trabalhadores, e custou uma fortuna. Seria um feito equivalente, em tempos actuais, à viagem do homem à Lua.

Aquela enorme igreja foi erigida por pessoas que viviam em cabanas de madeira com telhado de palha, pessoas que dormiam no chão porque apenas os ricos tinham camas. As torres têm quase 70 metros de altura, mas os mestres de obras não dispunham de fórmulas matemáticas para calcular a tensão nesse tipo de estrutura. Eles se guiavam por tentativa e erro, que de facto eram cometidos. Às vezes, o trabalho desmoronava: a Catedral de Beauvais veio abaixo duas vezes. Hoje em dia podemos ir até uma loja de ferragens e comprar um martelo perfeitamente funcional, com uma cabeça de aço, por um preço muito baixo, mas as ferramentas dos operários que construíram essas catedrais eram rústicas e o aço custava tão caro que era usado com bastante moderação, em geral apenas na ponta de uma lâmina. A Notre-Dame e todas as catedrais são ricamente ornamentadas, mas os trabalhadores usavam túnicas simples costuradas em casa. A catedral possuía travessas, cálices, crucifixos e castiçais de ouro e prata, enquanto a congregação bebia em xícaras de madeira e usava pedaços secos de junco como velas.

Como isso foi possível? Como uma beleza tão majestosa emergiu em meio à brutalidade e à imundície da Idade Média? A primeira parte da resposta é algo quase sempre deixado de fora de qualquer narrativa sobre as catedrais: o clima. O período compreendido aproximadamente entre os anos 950 e 1250 é chamado pelos climatologistas de Anomalia Climática Medieval. Ao longo de trezentos anos, o clima na região do Atlântico Norte foi melhor que o normal. As evidências vêm de anéis de troncos de árvores, núcleos de gelo e depósitos de lagos, que nos fornecem informações sobre mudanças climáticas de longo prazo no passado. Ocasionalmente havia anos de colheitas ruins e fome, mas em média a temperatura era mais alta. O tempo quente era sinónimo de safras abundantes e de pessoas mais ricas. Foi dessa forma que a Europa escapou da longa depressão conhecida como a Idade das Trevas.

Todas as  vezes que seres humanos conseguem produzir mais do que precisam para sobreviver, aparece alguém para se apossar do excedente. Na Europa medieval, havia dois grupos que faziam isso: a aristocracia e a Igreja. Os nobres lutavam nas guerras e, entre uma batalha e outra, praticavam a caça para exercitar suas habilidades de montaria e conservar o espírito sanguinário. A Igreja construía catedrais. O bispo Maurício tinha recursos para executar seu projecto, ou, pelo menos, para dar início a ele. Ele contratou um mestre de obras, alguém cujo nome não sabemos, que elaborou um projecto. Mas o projecto não foi desenhado em papel. A arte de fabricar papel era novidade na Europa do século XII, e o produto era um luxo custoso. Livros como a Bíblia eram escritos em pergaminho, um couro bem fino, e também caro. Os pedreiros desenhavam seus projectos no piso. Eles espalhavam argamassa no chão e esperavam até que endurecesse. Em seguida, traçavam o esboço usando um instrumento pontiagudo de ferro, como um prego. As linhas traçadas eram brancas a princípio, mas desapareciam conforme o tempo passava, o que permitia que novos projectos fossem desenhados sobre os antigos. Alguns desses projectos desenhados no piso sobreviveram até os dias de hoje, e eu tive a oportunidade de estudar os das catedrais de York e de Wells». In Ken Follett, Notre Dame, 2019, Editorial Presença, 2019, ISBN 978-972-236-453-9.

Cortesia de EPresença/JDACT

Ken Follett, Literatura, Paris, JDACT,