«(…) Embora eu nunca tivesse falado sobre ele com meus pais, os dois com certeza sabiam que eu já tivera meu quinhão de desilusões amorosas. Na realidade, eu às vezes desconfiava que a obsessão insistente de minha mãe com James Moselane era apenas o seu modo de consolar a nós duas. E que consolo maior poderia haver do que imaginar um futuro ideal em que eu morava na propriedade bem ao lado da sua casa, feliz para sempre?
Quando o Sr. Ludwig voltou,
guardei a revista e tirei meu casaco de cima da cadeira para ele poder se
sentar ao meu lado. Obrigada, agradeci ao pegar um dos cafés. O calor do copo
foi uma bênção para minhas mãos nervosas. A propósito, o senhor não chegou a me
dizer o nome da fundação que está pagando este nosso luxo. Ele removeu a tampa
do seu café. Sou um homem cauteloso. Ele deu um golinho e fez uma careta. O que
vocês, britânicos, têm contra o café? Bem, posso lhe dizer o nome: Fundação Skolsky.
Açúcar?
Instantes depois, enquanto eu
pesquisava freneticamente a Fundação Skolsky no Google, ouvi Ludwig dar uma
risadinha e, quando olhei para cima, flagrei-o espiando descaradamente o meu
celular. Não vai achar nada on-line, informou-me. O Skolsky prefere ser discreto.
Coisas de bilionário. Talvez a intenção dele fosse fazer um comentário
bem-humorado, mas não achei graça nenhuma. À nossa volta, o portão de embarque
estava coalhado de funcionários da empresa aérea e passageiros com esperança de
embarcar na frente, mas eu continuava sem saber quase nada sobre a nossa
viagem. Desculpe, mas nunca ouvi falar na Fundação Skolsky, falei. A sede fica em
Amsterdão, imagino... Ludwig se abaixou e pôs o copo no chão. Como eu disse, Skolsky
é um homem discreto, um empresário interessado em arqueologia. Ele patrocina
escavações no mundo inteiro. Encarei-o à espera de mais detalhes. Ele não deu
nenhum, então me inclinei um pouco para a frente, deixando bem claro que
esperava mais. Como por exemplo...?
Ludwig sorriu, mas algo na
expressão predatória de seus olhos me disse que ele estava ficando irritado. Não
posso dizer antes de chegarmos lá. É o protocolo da Skolsky. Fiquei tão
incomodada com seu jeito desdenhoso que tive uma súbita lembrança do café
intragável do aeroporto e das bem-intencionadas palavras de alerta ditas por
James na noite anterior. A suposta inscrição das amazonas talvez fosse um
trote..., ou coisa pior. Fora o que ele dissera. Peguei-me pensando mais uma
vez em qual seria o meu papel em tudo aquilo. Estava ficando claro, e de forma
bem desagradável, que Ludwig não sentia mais necessidade de cair nas minhas
graças. Cheguei a desconfiar que o súbito declínio dos seus bons modos fosse um
prenúncio da semana por vir. Qualquer pessoa normal prestaria atenção nesses
sinais de alerta e iria embora enquanto ainda havia tempo. Mas eu não podia. O
caderno vermelho da avó escondido na minha bolsa já derrotara o meu bom senso tempos
antes. Está pronta?, perguntou Ludwig, pegando seu cartão de embarque. Vamos
lá.
Segundos depois, descíamos a
ponte de embarque. Eu ainda não sabia porque estávamos a caminho de Amsterdão,
mas àquela altura tinha a certeza que seria inútil perguntar. E fiquei ainda
mais desnorteada quando, em vez de subir a bordo, Ludwig parou para trocar
algumas palavras com um homem de macacão e grandes protectores de ouvido de cor
laranja. O homem primeiro me lançou um olhar desconfiado, depois abriu uma
porta na lateral do portão de embarque e nos conduziu por alguns degraus
instáveis de metal até chegarmos à pista, junto ao avião. Mesmo ali, do lado de
fora, o ar estava tomado por barulho e cheiro de combustível queimado. Quando
abri a boca para perguntar o que estava acontecendo, me senti sufocar com a
fumaça do jacto e não consegui me fazer ouvir.
Após
uma viagem curta a bordo de um veículo utilitário, serpenteando por entre as
vans de empresas que forneciam comida às companhias aéreas e os caminhões de
combustível, paramos ao lado de outro avião. Só nessa hora, quando vi minha
mala trocar de mãos e desaparecer dentro do bagageiro, me abordei de que nosso
suposto voo para Amsterdão fora apenas um disfarce cuidadosamente planeado. Mas
não houve tempo de questionar o Ludwig sobre a mudança no nosso destino, pois,
após um controle de segurança dos mais superficiais, fomos conduzidos depressa
ao avião por uma escada de fundos. Belo acessório, comentou Ludwig quando o
detector de metais emitiu um bipe ao passar por meu bracelete de bronze. A
senhora usa isso como arma? Ainda não, mas posso vir a usar, retruquei,
tornando a baixar a manga. Ele não precisava saber que o bracelete pertencera à
minha avó e que eu o havia desenterrado da minha gaveta de lingerie poucas
horas antes, como um marco inicial daquela inesperada aventura. Até onde Ludwig
sabia, eu aceitara viajar por causa do dinheiro e da possível glória académica;
não queria que ele descobrisse quanto aquilo era pessoal para mim. Se Skolsky
podia se manter discreto, eu também podia». In Anne Fortier, A Irmandade Perdida,
2014, Editora Arqueiro, 2015, ISBN 978-858-041-543-0.
Cortesia de EArqueiro/JDACT