quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022

Bizâncio. O Império da Nova Roma. Cyril Mango. «O serviço militar era uma ocupação para toda a vida e, supostamente, bem remunerada. Ainda assim, não havia muito entusiasmo entre as camadas mais civilizadas do Império, sendo a evasão generalizada»

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Sociedade e Economia

«(…) Contudo, este valor, não inclui os limitanei, pelo que poderá eventualmente representar antes um aumento em vez de uma diminuição. Simultaneamente, devemo-nos lembrar que uma força expedicionária tinha normalmente entre dez mil e vinte e cinco mil homens, e um exército de cerca de cinquenta mil, como aquele que eventualmente terá sido accionado contra a Pérsia, era consideravelmente grande. O serviço militar era uma ocupação para toda a vida e, supostamente, bem remunerada. Ainda assim, não havia muito entusiasmo entre as camadas mais civilizadas do Império, sendo a evasão generalizada. Na altura do reinado de Justiniano, o recrutamento havia-se tornado voluntário e dependia em grande parte das províncias mais vigorosas, como a llíria, a Trácia e a lsáuria, onde a vida militar era já tradicional. Também se utilizavam muito os bárbaros, tais como os Godos, os Hunos e os Citas, que ou haviam sido criados em casa, ou tirados de tribos fronteiriças aliadas ao Império (foederati). Contudo, a lealdade destes últimos nem sempre podia ser tida como certa. No Período Inicial os comandos militar e civil estavam geralmente separados, embora na segunda metade do século VI se tivessem começado a fundir em algumas províncias mais inseguras (particularmente em África e na Itália). Havia, assim, uma hierarquia nas tropas do exército, culminando em vários magistri militum, bem como uma hierarquia civil preocupada com a justiça, com as finanças e com o funcionamento de vários serviços, tais como os postos públicos (cursus publicus), o Estado policial e o serviço secreto (magistriani ou agentes in rebus), entre outros. A administração das províncias estava nas mãos dos chefes de prefeitura pretorianos, agora destituídos da autoridade militar que detinham anteriormente, havendo descido a vicarii das dioceses e governadores das províncias. Constantinopla, como Roma, tinha uma administração separada sob a alçada de prefeitos urbanos. Dever-se-á referir que, enquanto os escalões médio e baixo dos funcionários do Estado gozavam da segurança que lhes conferia o título de posse, ao ponto da efectiva irremovibilidade, os oficiais superiores possuíam esse benefício apenas por um breve período de tempo. Alguns historiadores têm falado de um estrangulamento burocrático do Império Romano Tardio, no entanto, pelos padrões modernos, o número mínimo de funcionários do Estado era reduzido: calcula-se que ao todo não haveria mais de trinta mil a quarenta mil no Oriente e no Ocidente, conjuntamente (400 d.C.). A razão traduz-se pelo facto de serem as cidades a tratar dos seus próprios assuntos através dos conselhos municipais (curiae), compostos por proprietários locais. Estes últimos, normalmente chamados decuriões, formavam uma classe razoavelmente numerosa. Se presumirmos que haveria cerca de duzentos por cidade, o número total no Oriente terá sido perto dos duzentos mil. A sua importância para a história da civilização, todavia, ultrapassa largamente a sua força numérica, visto que a elite intelectual do Império, as profissões liberais, os escalões superiores da Igreja e uma grande parte dos cargos de função pública eram preenchidos por membros da classe dos decuriões. Havemos de considerá-los com mais pormenor. É lugar-comum da história romana do Período Tardio que a pequena nobreza municipal estava em declínio. Independentemente da tolerância relativamente a reivindicações por interesses pessoais de que os membros desta classe beneficiavam (sendo Libanus o exemplo mais frequentemente citado), o facto é que os decuriões de Constantino a Justiniano se esforçaram bastante no sentido de fugir às suas responsabilidades, que eram, de um modo geral, vistas como uma servidão. Do ponto de vista da lei, todos os proprietários que alcançavam uma reserva de propriedade estabelecida eram obrigados a servir nos conselhos, e os seus herdeiros a segui-los. Eram, colectivamente, responsáveis pelos trabalhos municipais, pela reparação dos edifícios públicos, aquedutos e fortificações, por manter as ruas e os esgotos limpos, pela organização de espectáculos, por vigiar o mercado, pela manutenção dos postos de serviço e por todos os deveres extraordinários impostos pelo Estado, tais como alojar os soldados, fazer as compras necessárias para reunir provisões, recrutar homens para o exército (quando o recrutamento era preciso), etc. As cidades, por seu lado, possuíam recursos provenientes dos impostos da terra e do mercado que faziam face às despesas necessárias. Ainda assim, os decuriões tinham normalmente de abrir os cordões à bolsa. Embora os encargos inerentes à sua função fossem respeitáveis, não admira que explorassem todas as escapatórias possíveis para os evitar. A forma mais comum de serem dispensados consistia em juntarem-se aos funcionários do Estado ou aos do senado de Constantinopla (apesar das várias leis que o proibiam), a fim de entrarem na Igreja ou de se tornarem professores no serviço público. Alguns nunca casavam para não deixar um herdeiro legítimo. Outros simplesmente fugiam. O resultado desta pressão contínua foi a ruptura da classe curial: os membros mais pobres desapareceram, enquanto os ricos ficaram mais ricos à custa dos seus vizinhos». In Cyril Mango, Bizâncio, O Império da Nova Roma, 1980, Edições 70, 2008, ISBN 978-972-441-492-8.

Cortesia de E70/JDACT

 JDACT, Cyril Mango, História, Cultura e Conhecimento,