segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Paul Sussman. O Exército Perdido de Cambises. «O seu corpo foi encontrado dois meses mais tarde. Ou pelo menos o que restou dele, carbonizado na fornalha do jipe incendiado. Um grupo de turistas num safari pelo deserto…»

 

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«(…) O jovem deixou escapar um assovio baixo. Uma semana atrás, completou Yakub, No Cairo. A Espada da Vingança. Ele morreu? Não, sobreviveu. Por pouco. O jovem soltou um gemido. Que pena! Acabe com todos os burocratas e o mundo será um lugar bem mais saudável. Esse curry está soberbo, Yakub. Duas moças europeias levantaram-se de uma mesa no outro extremo do jardim e passaram por eles. Uma delas voltou-se, dando uma olhada no jovem, e sorriu. Ele a cumprimentou com um gesto de cabeça. Acho que ela gostou de você, brincou Yakub, depois que elas se afastaram. Pode ser, o jovem deu de ombros para o companheiro. Mas quando eu contar a ela que sou um arqueólogo, vai querer uma boa distância de mim. A primeira regra da arqueologia, Yakub... Nunca diga a uma mulher o que faz. É o beijo da morte. Ele terminou seu curry com batatas fritas e reclinou-se, as moscas zumbindo na árvore acima da sua cabeça. O ar estava impregnado com o cheiro do braseiro, da fumaça de lenha e da carne tostada. Bem, quanto tempo está planeando ficar por aqui?, perguntou Yakub. Em Siwa? Mais uma hora, acho. E depois, volta para o deserto? Depois, volto para o deserto. Yakub assentiu com a cabeça. Já está lá há um ano. Você volta, compra suprimentos e depois desaparece outra vez. O que anda fazendo lá no meio do nada?

Medições, sorriu o jovem. E cavo buracos. E desenho diagramas. Mas, quando o dia está realmente bonito tiro fotos, também. E o que está procurando? Um túmulo? O jovem deu de ombros. Acho que pode chamar assim. Mas já encontrou alguma coisa? Quem sabe, Yakub? Talvez. Talvez não. O deserto é hábil em pregar artefactos na gente. Nós pensamos que encontramos alguma coisa, daí vamos ver e não encontramos nada, realmente. E quando pensamos que não encontramos porcaria nenhuma, de repente descobrimos algo que vale a pena. O Saara, como dizemos lá na minha terra, é um grande filho da pu… enganador.

Para dizer isso, ele falou em inglês, e Yakub repetiu as palavras, lutando para tirá-las da boca. O jovem achou graça, tirando cigarros e uma pequena bolsa de maconha do bolso da camisa. Isso mesmo, Yakub. E isso nos dias em que a gente está com sorte. Ele enrolou um bocado com habilidade, acendendo-o e tragando profundamente, depois inclinando a cabeça para trás contra o tronco da palmeira e exalando a fumaça, satisfeito. O senhor fuma demais essa porcaria, dr. John, advertiu o egípcio. Vai acabar fazendo mal. Ao contrário, meu amigo, suspirou o jovem, fechando os olhos, Aqui no deserto é a única por… que consegue manter a minha sanidade. Ele deixou o hotel uma hora mais tarde, o envelope pardo ainda seguro na sua mão. A tarde agora adiantada, com o sol mergulhando no oeste, sua coloração passando de um amarelo aguado para um alaranjado cítrico. Ele atravessou de volta a praça, até ao jipe, agora carregado de caixas com provisões.

Entrando no veículo, deu partida e, indolentemente, conduziu-o pelos cinquenta metros até à entrada da única garagem da cidade. Complete, disse ao frentista. Encha também os galões de reserva. E ponha água nos recipientes plásticos. A da bica serve. Ele jogou as chaves para o frentista e caminhou cerca de cem metros estrada acima até ao correio. Já dentro, abriu o envelope pardo, retirou uma série de fotografias, examinou-as, em seguida recolocou-as no envelope, lambendo-lhe a aba e fechando-o. Quero enviar esta correspondência. Registada, disse ao homem no balcão. O homem pegou o envelope, pesou-o e, puxando um formulário da gaveta em baixo da escrivaninha, começou a preenchê-lo. Professor Ibrahim az-Zahir, disse ele, lendo o nome escrito na parte frontal, enunciando-o para ter certeza de que tudo estava correcto. Universidade do Cairo. O jovem recebeu uma cópia do formulário, pagou e, deixando o envelope, voltou a pé para a garagem. O tanque do jipe, os tanques reservas e os recipientes de água estavam cheios agora e, com uma última olhada ao redor da praça do mercado, ele tornou a subir no veículo, ligou o motor e conduziu-o lentamente para fora da cidade. Parou por instantes no limiar do deserto e olhou, pensativo, para a cidade que deixava para trás. Depois, ligando o rádio-estéreo, acelerou o motor e avançou para a frente, penetrando através do terreno arenoso.

O seu corpo foi encontrado dois meses mais tarde. Ou pelo menos o que restou dele, carbonizado na fornalha do jipe incendiado. Um grupo de turistas num safari pelo deserto deu por acaso com o veículo a cerca de cinquenta quilómetros a sueste de Siwa, capotado ao pé de uma duna, casco de metal disforme com algo dentro que lembrava uma forma humana. Ele tinha, assim parecia, capotado ao tentar transpor a duna, embora não fosse uma duna particularmente escarpada e, curiosamente, houvesse outras marcas de pneus por perto, como se ele não estivesse sozinho quando o acidente aconteceu. O corpo estava tão desfigurado que só pôde ser identificado conclusivamente pelos registos das arcadas dentárias que foram enviados dos Estados Unidos». In Paul Sussman, O Exército Perdido, 2005, Bertrand Editora, 2016, ISBN 978-972-253-057-6.

 Cortesia de BertrandE/JDACT

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