sábado, 16 de julho de 2022

Infante dom Pedro. Isabel Machado. «A nobreza, há que precaver dela! Ao invés da lealdade ao rei de Portugal, prostravam-se aos pés dos de Castela quando vêem ganhos na traição»

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Quarenta e quatro anos antes. Lisboa, Out0no de 1405

«(…) Mas John of Gaunt não fora apenas um homem de desmedida ambição e vida devassa. Profundamente culto e patrono das artes, promovera nos filhos o amor ao estudo e ao conhecimento. Ao contrário do pai, Filipa fizera-se severa nos costumes morais. Fervorosamente devota e de vasta, lisura, dominava o inglês, o francês e o latim e trouxera para a corte portuguesa hábitos de erudição. Sonhara com o marido dar a Portugal uma geração de infantes ilustres e, do seu ventre fértil, nasceram oito filhos, que haviam sobrevividos seis. Consolidar a dinastia que iniciara de forma tumultuosa e sem certezas de que se manteria no trono, confirmado em Cortes pela mestria da oratória de João das Regras, era o propósito da vida do rei português. Dignificar o nome de Avis impunha um esforço permanente. Perspicaz, dom João cedo intuíra que era preciso reinar pelo exemplo para manter os seus descendentes no trono de Portugal.

A autoridade moral e o conhecimento, tanto como a força das armas, garantiriam essa determinação, acredita o rei. Na inexperiência da mocidade, os filhos não haviam sentido como lhe fora difícil chegar ali, nascidos já em berço mais do que dourado. Dom João moldara-se como monarca, bem ciente da traição de parte da fidalguia do reino, uma cisma que nunca o largava. Martirizava a mente verde dos infantes com essa verdade. A nobreza, há que precaver dela! Ao invés da lealdade ao rei de Portugal, prostravam-se aos pés dos de Castela quando vêem ganhos na traição. Julgais que a ameaça se esfumou? Está sempre aqui, sempre aqui! De indicador esticado, batia com ele na testa.

O rei tinha na soberba memória um dos seus atributos. Não esquecia e não permitia que esquecessem, sabedor de que o passado era teimoso e regressava sem pudor, sempre que a memória se esvaía de um povo. Mas havia genuíno amor ao pai, não apenas temor, em todos os infantes de Avis. Idealizavam o rei como um dos heróis dos romances de cavalaria que a mãe lhes lia desde que se lembravam de existir Faziam tudo para agradar ao monarca, homem de génio à flor da pele, cioso do seu mando e obstinado como poucos. De coração generoso quando a vida lhe corria de feição, o rei comprazia-se na companhia da família. Por todos os motivos do passado e sempre com a vista no futuro, dom João voltara agora a reforçar a aliança inglesa, casando a sua filha Beatriz com um nobre do reino da rainha dona Filipa». In Isabel Machado, Infante Dom Pedro, O Regente Visionário que o Poder quis Calar, 2021, Editorial Presença, Manuscrito, 2021, JSBN 978-989-897-590-4.

Cortesia de EPresença/Manuscrito/JDACT

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