O Bastardo Escondido
«(…) Dom
Afonso V, o Africano,
tinha 15 anos quando casou, em 1447, com a infanta dona Isabel, sua prima,
filha do infante Pedro, o das Sete
Partidas. Desse casamento nasceram três filhos: (1) João, que morreu
menino; (2) Joana, a Princesa Santa,
que morreu solteira; e (3) um outro João, o Príncipe Perfeito, que sucedeu a seu pai. Depois, em 1455,
enviuvou. Tinha 23 anos de idade e não voltou a casar. Mas, envolvido na guerra
que a grande nobreza de Castela fez ao seu rei, Henrique IV, o Impotente, ponderou por duas vezes
novo casamento: a primeira, em 1465, com a irmã do monarca castelhano, dona Isabel,
e a segunda, dez anos depois, com a filha dele, dona Joana, que era, aliás, sua
sobrinha. Mas nenhum desses casamentos veio realmente a efeito.
O primeiro casamento
foi proposto a Afonso V por Henrique IV, que estava casado em segundas núpcias
com a infanta dona Joana, irmã do rei de Portugal. Com esta aliança
matrimonial, o Impotente pretendia obter o apoio do cunhado para derrotar os
seus inimigos, que tinham por essa altura aclamado um novo rei, o infante
Afonso, meio-irmão de Henrique IV, que passou à história como o rei de Ávila.
O matrimónio foi negociado por Afonso V com a rainha de Castela, sua irmã, e
dessas negociações resultaram umas capitulações que foram assinadas na Guarda,
a 12 de Setembro de 1465. Mas dona Isabel, que era por esse tempo uma menina de
catorze anos, recusou unir-se a um monarca que podia ser seu avô e guardou-se
para casar com Fernando II de Aragão, o que fez às escondidas de seu irmão (e
seu rei), em 1469.
O segundo casamento
destinava-se a defender os direitos ao trono castelhano de sua sobrinha, a
infanta Joana de Castela, filha de Henrique IV e de dona Joana de Portugal, sua
segunda mulher. Era ela a legítima herdeira de seu pai e como tal tinha sido
jurada após o seu nascimento. Mas, depois, os inimigos do monarca, querendo
sentar no trono um dos seus tios, o infante Afonso, primeiro; e a infanta
Isabel, depois, afirmavam que dona Joana não era, porque não podia ser, filha
do Impotente, dando-a por fruto dos amores adúlteros de sua mãe com Beltran
de la Cueva, um dos favoritos de seu pai, que teria, aliás, promovido o
adultério. E, por isso, os inimigos da princesa chamavam-lhe a Beltraneja.
Em 1464, Henrique IV
aceitou reconhecer seu irmão Afonso como herdeiro do trono castelhano desde que
o infante se tornasse seu genro, casando com dona Joana, a quem as cortes nessa
altura não tiveram dúvidas em dar o título e o tratamento de princesa, o que
correspondeu a um ínvio reconhecimento da sua legitimidade. Mas esse casamento
não chegou a realizar-se. E, em 1467, Henrique IV, para conservar o trono,
repudiou a filha, que tinha cinco anos de idade e foi, nessa altura, retirada à
mãe. Esta, declarada adúltera pelo rei seu marido, foi mandada prender num
castelo próximo de Valladolid. Foi aí que a rainha conheceu Pedro de Castilla y
Fonseca, um bisneto do rei Pedro I de Castela, por quem se apaixonou. Desses
amores nasceu um par de gémeos, que dona Joana, tendo conseguido fugir da sua
prisão, deu à luz no lugar de Buitragos (Madrid), em 1496. Pedro Apóstolo e
André de Castela e Portugal, como haveriam de ser chamados, não foram criados
pela mãe, que se recolheria a um convento. O pouco que deles se sabe é que
casaram e, segundo alguns genealogistas, não tiveram filhos, extinguindo-se
assim a geração daqueles que são, muito provavelmente, os únicos filhos
ilegítimos que uma princesa portuguesa teve.
Em finais de 1474,
Henrique IV morreu, não sem antes voltar a afirmar a legitimidade de sua filha.
dona Joana reclamou os seus direitos à coroa de Castela, que Isabel, a futura
Rainha Católica, reivindicava para si. Afonso V resolveu tomar a defesa da
sobrinha. E foi para dar mais força à causa de dona Joana que o rei de Portugal
prometeu casar com ela. O casamento chegou a ser celebrado, por procuração, em
Maio de 1475. Mas o papa Sixto IV (que confirmara o casamento de Isabel de
Castela com Fernando de Aragão, mau grado os laços de consanguinidade) não
concedeu as necessárias dispensas e o rei Africano conformou-se com a vontade
do sumo pontífice, deixando a sobrinha solteira, mas não desamparada.
Em defesa da sua
realeza, invadiu Castela. Foi, porém, derrotado na Batalha de Toro, a 1
de Março de 1476. E, não tendo conseguido obter do rei de França, Luís XI, a
ajuda de que carecia para vencer aqueles que serão depois chamados Reis
Católicos, foi obrigado a reconhecer a sua derrota e a renunciar ao trono do
país vizinho, o que fez pelo Tratado das Alcáçovas, assinado a 4 de
Setembro de 1479». In Isabel Lencastre, Os Bastardos Reais, Os Filhos
Ilegítimos, Oficina do Livro, 2012, ISBN 978-989-555-845-2.
Cortesia de OdoLivro/JDACT
JDACT, História de Portugal, Isabel Lencastre, O Paço Real, Conhecimento,