sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Os Bastardos Reais. Isabel Lencastre. «… mais força à causa de dona Joana que o rei de Portugal prometeu casar com ela. O casamento chegou a ser celebrado, por procuração, em Maio de 1475. Mas o papa Sixto IV…»

jdact

O Bastardo Escondido

«(…) Dom Afonso V, o Africano, tinha 15 anos quando casou, em 1447, com a infanta dona Isabel, sua prima, filha do infante Pedro, o das Sete Partidas. Desse casamento nasceram três filhos: (1) João, que morreu menino; (2) Joana, a Princesa Santa, que morreu solteira; e (3) um outro João, o Príncipe Perfeito, que sucedeu a seu pai. Depois, em 1455, enviuvou. Tinha 23 anos de idade e não voltou a casar. Mas, envolvido na guerra que a grande nobreza de Castela fez ao seu rei, Henrique IV, o Impotente, ponderou por duas vezes novo casamento: a primeira, em 1465, com a irmã do monarca castelhano, dona Isabel, e a segunda, dez anos depois, com a filha dele, dona Joana, que era, aliás, sua sobrinha. Mas nenhum desses casamentos veio realmente a efeito.

O primeiro casamento foi proposto a Afonso V por Henrique IV, que estava casado em segundas núpcias com a infanta dona Joana, irmã do rei de Portugal. Com esta aliança matrimonial, o Impotente pretendia obter o apoio do cunhado para derrotar os seus inimigos, que tinham por essa altura aclamado um novo rei, o infante Afonso, meio-irmão de Henrique IV, que passou à história como o rei de Ávila. O matrimónio foi negociado por Afonso V com a rainha de Castela, sua irmã, e dessas negociações resultaram umas capitulações que foram assinadas na Guarda, a 12 de Setembro de 1465. Mas dona Isabel, que era por esse tempo uma menina de catorze anos, recusou unir-se a um monarca que podia ser seu avô e guardou-se para casar com Fernando II de Aragão, o que fez às escondidas de seu irmão (e seu rei), em 1469.

O segundo casamento destinava-se a defender os direitos ao trono castelhano de sua sobrinha, a infanta Joana de Castela, filha de Henrique IV e de dona Joana de Portugal, sua segunda mulher. Era ela a legítima herdeira de seu pai e como tal tinha sido jurada após o seu nascimento. Mas, depois, os inimigos do monarca, querendo sentar no trono um dos seus tios, o infante Afonso, primeiro; e a infanta Isabel, depois, afirmavam que dona Joana não era, porque não podia ser, filha do Impotente, dando-a por fruto dos amores adúlteros de sua mãe com Beltran de la Cueva, um dos favoritos de seu pai, que teria, aliás, promovido o adultério. E, por isso, os inimigos da princesa chamavam-lhe a Beltraneja.

Em 1464, Henrique IV aceitou reconhecer seu irmão Afonso como herdeiro do trono castelhano desde que o infante se tornasse seu genro, casando com dona Joana, a quem as cortes nessa altura não tiveram dúvidas em dar o título e o tratamento de princesa, o que correspondeu a um ínvio reconhecimento da sua legitimidade. Mas esse casamento não chegou a realizar-se. E, em 1467, Henrique IV, para conservar o trono, repudiou a filha, que tinha cinco anos de idade e foi, nessa altura, retirada à mãe. Esta, declarada adúltera pelo rei seu marido, foi mandada prender num castelo próximo de Valladolid. Foi aí que a rainha conheceu Pedro de Castilla y Fonseca, um bisneto do rei Pedro I de Castela, por quem se apaixonou. Desses amores nasceu um par de gémeos, que dona Joana, tendo conseguido fugir da sua prisão, deu à luz no lugar de Buitragos (Madrid), em 1496. Pedro Apóstolo e André de Castela e Portugal, como haveriam de ser chamados, não foram criados pela mãe, que se recolheria a um convento. O pouco que deles se sabe é que casaram e, segundo alguns genealogistas, não tiveram filhos, extinguindo-se assim a geração daqueles que são, muito provavelmente, os únicos filhos ilegítimos que uma princesa portuguesa teve.

Em finais de 1474, Henrique IV morreu, não sem antes voltar a afirmar a legitimidade de sua filha. dona Joana reclamou os seus direitos à coroa de Castela, que Isabel, a futura Rainha Católica, reivindicava para si. Afonso V resolveu tomar a defesa da sobrinha. E foi para dar mais força à causa de dona Joana que o rei de Portugal prometeu casar com ela. O casamento chegou a ser celebrado, por procuração, em Maio de 1475. Mas o papa Sixto IV (que confirmara o casamento de Isabel de Castela com Fernando de Aragão, mau grado os laços de consanguinidade) não concedeu as necessárias dispensas e o rei Africano conformou-se com a vontade do sumo pontífice, deixando a sobrinha solteira, mas não desamparada.

Em defesa da sua realeza, invadiu Castela. Foi, porém, derrotado na Batalha de Toro, a 1 de Março de 1476. E, não tendo conseguido obter do rei de França, Luís XI, a ajuda de que carecia para vencer aqueles que serão depois chamados Reis Católicos, foi obrigado a reconhecer a sua derrota e a renunciar ao trono do país vizinho, o que fez pelo Tratado das Alcáçovas, assinado a 4 de Setembro de 1479». In Isabel Lencastre, Os Bastardos Reais, Os Filhos Ilegítimos, Oficina do Livro, 2012, ISBN 978-989-555-845-2.

Cortesia de OdoLivro/JDACT

JDACT, História de Portugal, Isabel Lencastre,  O Paço Real,  Conhecimento,