«(…) O novo florão nobilitário, situado em solo africano, fazia
tornar menos pobre a comparação com o título dos émulos castelhanos dos reis
portugueses... Depois da conquista, João I reuniu o Conselho para decidir se
deveria manter a posse de Ceuta. A questão figura na Crónica da Tomada de Ceuta,
escrita por Gomes Eanes Zurara cerca de 1450, e parece ter sido uma mera
formalidade. Como seria possível o abandono de Ceuta depois do enorme esforço
militar e financeiro a que o Reino se submetera? A justificação da pergunta
parece ser outra. A empresa era muito arriscada; concebida com muita fé e
persistência durante vários anos, não deixava de ser um acto de grande
temeridade embarcar o rei, os três filhos mais velhos e a grande nobreza do
Reino ao mesmo tempo. A situação de insegurança em que Portugal se encontraria
em caso de derrota ou de tempestade em que a frota soçobrasse, a incerteza
sobre o desenlace da viagem e da batalha e a necessidade de segredo, são razões
que explicam a ausência de planeamento para depois da vitória e a questão
levantada por João I no Conselho. A resposta, defendida pelo Rei, era óbvia:
manter Ceuta portuguesa.
A escolha do capitão suscitou algumas dificuldades porque os principais nobres não estavam dispostos a permanecer em local tão perigoso depois da retirada da frota. O oferecimento que de si próprio fez Pedro Meneses e a subsequente valorização da sua casa oferecem um exemplo da nova situação social portuguesa: a ascensão na escala hierárquica da nobreza através dos serviços prestados no exército e no funcionalismo ultramarino. O monarca João I permaneceu em Ceuta durante alguns dias para prover a cidade de meios de defesa adequados aos ataques que os Mouros não deixariam de fazer. Distribuiu benesses pelos companheiros mais arrojados, como a confirmação do couto de Leomil e a doação de Numão ao marechal Gonçalo Vasques Coutinho. Ao regressar ao Reino, desembarcou em Tavira, cidade onde fez os dois filhos, Pedro e Henrique, respectivamente duques de Coimbra e de Viseu. Ceuta iniciou então a vida que viria a ser habitual nas cidades portuguesas do Norte de África, sujeitas a incursões mouras feitas de surpresa ou a assédios mais ou menos prolongados. Tratava-se de uma ocupação restrita à cidade murada, sendo os arredores aproveitados para recolher lenha, fazer pastar o gado ou entrar em território inimigo. Apesar das dificuldades, o campo vizinho da fortaleza era cultivado, embora as colheitas fossem incertas, porque podiam ser roubadas ou destruídas pelos Mouros. Alguns locais, em particular junto da costa, foram doados pelo rei a particulares, como Bolhões e o Castelo de Larotona. A dinastia merínida, então no poder em Marrocos, atravessava um período de acentuado declínio, pelo que a reacção ao ataque português demorou alguns anos; neste período consolidaram-se as defesas da cidade e a guarnição portuguesa habituou-se à guerra em África, com entradas profundas em Marrocos, e à actividade de corso a partir do porto de Ceuta. A ocupação da cidade magrebina granjeou fama internacional ao monarca português; findavam também os cuidados que a preparação da frota e o segredo sobre o seu objectivo ocasionaram nos países que se consideravam alvos potenciais. Nos meios eclesiásticos saudava-se o facto de poder ser ocupada, efectivamente, uma sé na Berberia. O Dr. Gil Martins, em 1416, no final do discurso que proferiu no Concílio de Constança, sublinhava a importância de Ceuta para a conquista futura da África: portus et clavis est totius Africae [...]. No início de 1416, o Rei confiou ao infante Henrique todallas cousas que conprem pera a dicta nossa cidade de Ceuta e pera sua defensoon. Depois da intervenção que tivera na preparação da frota e no ataque a Ceuta, eis o Infante investido na direcção da empresa ultramarina, então confinada àquela cidade de Marrocos. O trabalho maior a desenvolver era o da mobilização dos recursos necessários à guarnição da praça e o seu transporte». In António Dias Farinha, Os Portugueses em Marrocos, Instituto Camões, Colecção Lazúli, IAG, Artes Gráficas, ISBN 972-566-206-7.
Cortesia de Instituto Camões/JDACT
JDACT, D. João I, Ceuta, António Dias Farinha, Marrocos,