sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Os Bastardos Reais. Isabel Lencastre. «… mandado d’a ditta Senhora com bôa e luzida Casa, sem se dar a conhecer, nem se saber quem fossem até o prezente seus Paes. Fez seu assento n’a Ribeira d’os Soccorrídos; porém, levando-lhe uma chêa as casas…»

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O Bastardo Escondido

«(…) Dona Joana veio então para Portugal, onde era considerada a Excelente Senhora. Recolheu-se ao Mosteiro de Santa Clara de Santarém e, depois de professar, à Casa das Clarissas de Coimbra. Em 1487, ainda se falou no seu casamento com o rei de Navarra. Mas dona Joana permaneceu solteira, e assim morreu, em 1530, no Paço das Alcáçovas, onde João II, depois de a ter retirado do convento, lhe deu casa e estado de rainha. Não obstante o seu celibato, houve quem dissesse que dona Joana houvera, do rei Afonso V, seu tio, um filho. Esse rebento do régio tálamo foi enviado, ainda criança, para a ilha da Madeira e aí se criou, rodeado de grandezas como quem era, mas proibido absolutamente de sair da ilha. Isto escreve César Silva, que acrescenta: Chamou-se Gonçalo de Avis Trastâmara, mas ajuntou aos seus nobres apelidos de família o de Fernandes, certamente por assim lhe ter sido imposto por seu irmão, o Príncipe Perfeito, e por esse modo ficou confundido na massa dos habitantes plebeus da ilha da Madeira. A seu tempo e como simples particular casou com uma dama da localidade e teve prole. Nada parece mais longe da verdade histórica.

Ainda assim, um genealogista madeirense, Luiz Peter Clode, compôs uma obra sobre a Descendência de D. Gonçalo Afonso d’Avis Trastâmara Fernandes, O Máscara de Ferro Português, onde declina a descendência de Gonçalo Fernandes Andrade, filho de João Fernandes Andrade e de Beatriz Abreu. Segundo Henrique Henriques Noronha, no seu Nobiliário da Ilha da Madeira, Gonçalo Fernandes criou-se em casa d’a Excellente Senhora dona Joanna, e foi Vedor d’o Infante Fernando, Pae d’El Rei dom Manuel. Estabeleceu-se na Madeira por mandado d’a ditta Senhora com bôa e luzida Casa, sem se dar a conhecer, nem se saber quem fossem até o prezente seus Paes. Fez seu assento n’a Ribeira d’os Soccorrídos; porém, levando-lhe uma chêa as casas, a mudou para a Calhêta, e’em um sítio, a que chamão a Serra d’Agua, de quem elle tomou o nome, fabricou casas e uma Ermida de Nossa Senhora d’a Conceição, a que avinculou sua terça, tomandoa com muito luzimento, e bôas pinturas em que poz por Armas as quinas portuguezas sobre uma cruz, e com estas mesmas sellou o testamento com que faleceu em 13 de Junho de 1539 annos, e jaz enterrado n’a dicta Egreja.

Para o marquês de Abrantes, genealogista ilustre, a ascendência real de Gonçalo Fernandes não passa de uma lenda sem qualquer verosimilhança, bastando olhar para a cronologia: como podia o vedor do infante Fernando, que morreu em 1470, ser fruto de um casamento celebrado em 1475?

Quanto a Afonso V, é sabido que sempre gozou da fama de ser muito casto. Rui de Pina assegura, na sua Crónica, que o monarca foi de mui louvada continência porque havendo não mais de 23 anos ao tempo que a Rainha sua mulher faleceu, sendo aquela idade de maiores pungimentos e alterações da carne, tendo para isso disposições e despejo, foi depois acerca de mulheres muito abstinente, ao menos cauto […] Mas um descuido, pelo menos, pode ter tido. E assim foi que, estando no Porto, entre Novembro de 1465 e Fevereiro de 1466, ter-se-ia tomado de amores por Maria Cunha, que era sobrinha de Fernão Coutinho, conselheiro régio, em casa de quem Afonso V então estava, e haveria de casar com Sancho Noronha». In Isabel Lencastre, Os Bastardos Reais, Os Filhos Ilegítimos, Oficina do Livro, 2012, ISBN 978-989-555-845-2.

Cortesia de OdoLivro/JDACT

JDACT, História de Portugal, Isabel Lencastre,  O Paço Real,  Conhecimento,