domingo, 7 de outubro de 2012

Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de D. João IV. Heróis ou Anti-Heróis? Maria do Carmo T. Pinto. «Tudo depende do modo como a documentação inquisitorial é “trabalhada” e interpretada pelo historiador. [..] reconstituir parte do percurso de vida de um conjunto de homens e mulheres cristãos-novos residentes no núcleo urbano elvense…»


Mariadocarmoteixeirapinto, cortesia da ua
jdact

«Nesta perspectiva, os dados relativos à pessoa humana do processado, dados biográficos, psicologia, tendências afectivas, ideias, crenças, interesses, motivações, reacções, comportamentos, inconsciente colectivo, etc., e as informações extraprocessuais procedentes do contexto histórico geral (dados circunstanciais, notícias ambientais, factos públicos, relações institucionais ou interpessoais, valores sociais, costumes e usos estabelecidos, menção de objectos quotidianos, topónimos, jogos, festas, comidas, preços, salários, livros circulantes, indumentária, viagens e duração das deslocações, transporte, comunicações, etc.) cruzam-se e complementam-se.

NOTA: Em Portugal, a discussão em torno deste assunto, embora tenha esmorecido, ganhou uma nova perspectiva na qual os processos inquisitoriais são valorizados, na medida em que contêm informações únicas sobre o “dossier sociológico” do réu, o contexto social das acusações, as redes de testemunhas, os conhecimentos e as convicções alternativas.

Tudo depende do modo como a documentação inquisitorial é “trabalhada” e interpretada pelo historiador. A problemática a tratar exigiu que recorrêssemos a documentação de cariz diversificado existente no Arquivo Municipal de Elvas e no Arquivo Distrital de Portalegre. Através do cruzamento das informações recolhidas mediante a análise dos diferentes tipos de documentação foi possível reconstituir parte significativa do percurso de vida de um conjunto de homens e mulheres cristãos-novos residentes no núcleo urbano elvense, seguindo os preceitos da micro-história.
O substancial número de processos levantados aos cristãos-novos de Elvas, que se revelou bastante superior ao detectado para outras comunidades cristãs-novas da região. A leitura destes dados requer algum cuidado. Em termos gerais, o total de cristãos-novos processados é assaz superior àquele cujos processos chegaram até nós. Assim, com alguma segurança, os ritmos de repressão impostos pelo Santo Ofício (maldito) de Évora, torna-se necessário não apenas proceder a uma análise aprofundada da documentação processual como procurar estabelecer uma relação, em termos percentuais, entre o número de cristãos-novos tocados pelo Santo Ofício (maldito) e a dimensão demográfica da comunidade em que os mesmos se encontravam inseridos. Contudo, no actual momento da investigação historiográfica, é impossível a verificação plena desta premissa tendo em conta as lacunas documentais e esforço em tempo.

Poder Real Versus Tribunal do Santo Ofício (maldito)… E Os Cristãos-novos de Permeio
A Governação dos Áustrias em Portugal
António Baião, há já quase um século, a propósito da obra de Alexandre Herculano sobre a origem e estabelecimento da Inquisição (maldita) portuguesa, produziu uma afirmação cujo conteúdo, infelizmente, revela, ainda hoje, uma actualidade impressionante:
  • “Que a historia d’esses vinte annos [de luta entre D. João III e os cristãos-novos, o monarca para estabelecer a Inquisição e a gente de nação para a obstar] seja a historia d’uma instituição secular, é que ninguem certamente poderá crer”.
Todavia, continua ainda a ser este o período da história do Tribunal do Santo Ofício (maldito) que se encontra verdadeiramente estudado e é sobre ele que os principais juízos de valor têm sido produzidos.

NOTA: Foi longo e encontra-se exaustivamente estudado o processo que conduziu ao estabelecimento da Inquisição em Portugal, que passou pela concessão a pedido de João III, em 23 de Maio de 1536, da Bula Cum ad nihil magis e que culminou, após grande empenho por parte do monarca, em 16 de Julho de 1547, com a entrega da Bula Meditatio cordis que estabeleceu no reino a Inquisição moderna anulando, definitivamente, a interferência do núncio nos assuntos a ela respeitantes, estipulando legislação própria ao seu funcionamento e instituindo o segredo no processo.

Esta ausência de história traduz-se não apenas na existência de sérias lacunas no que respeita à evolução interna da própria instituição ao longo do seu período de existência, mas principalmente sobre a forma como se desenrolou a sua relação com o poder régio constituindo esta, precisamente, uma temática que carece de uma abordagem aprofundada e sistemática (23)». In Maria do Carmo Teixeira Pinto, Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de D. João IV. Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação de Doutoramento em História, Universidade Aberta, Lisboa, 2003.

Cortesia de U. Aberta/JDACT