quarta-feira, 25 de março de 2015

Os Pensadores. Denis Diderot (1713-1784). «Passa fome, pede dinheiro emprestado e não paga, dá algumas aulas de matemática e redige sermões para sobreviver. Em 1741, encontra Antoinette, atraente mulher, filha de uma pequena comerciante de roupas feitas»

jdact e wikipedia

Vida e Obra
«As obras de Voltaire, assim como as de Montesquieu e Rousseau, desempenharam um papel de primeiro plano na transformação social, política e intelectual do mundo europeu no século XVIII. Não menos importante foi a obra colectiva da qual esses filósofos participaram juntamente com D'Alembert (1717-1783), Quesnay (1694-1774), Turgot (1727-1781), Marmontel (1723-1799), Holbach (1723-1789) e outros: a Enciclopédia ou Dicionário Razoado das Ciências, Artes e Ofícios. O seu principal redator foi Denis Diderot, talvez a personagem mais revolucionária entre todos os franceses da época. Diderot nasceu na pequena cidade francesa de Langres, a 8 de Outubro de 1713, filho de um cuteleiro chamado Didier e de Angélica, sua esposa. Desde cedo é orientado para o sacerdócio, em virtude de possuir, do lado materno, vários clérigos como parentes. Assim sendo, ingressa no colégio jesuíta da cidade natal, onde se revela brilhante aluno, sobretudo em latim e matemática. Com apenas treze anos de idade recebe a tonsura, veste a sotaina e é chamado senhor abade. Os parentes ficam muito contentes, pensando que ele estivesse disposto a seguir a carreira eclesiástica, mas logo se desiludem. Diderot quer apenas estudar e para isso dirige-se a Paris e ingressa no Colégio Louis, le Grand, onde Voltaire estudara anos antes. Aprofunda-se em lógica, física, moral, matemática e metafísica, disciplinas vestidas convenientemente, no ensino da época, em roupagem aristotélica e teológica. Em 1732 torna-se maître des arts pela Universidade de Paris e mostra-se possuidor de considerável erudição em grego, italiano e inglês, adquirida autodidacticamente. As necessidades da vida prática, contudo, precisavam ser satisfeitas e a família opunha-se a sustentar um intelectual. Diderot torna-se então procurador, mas a profissão lhe é tão desagradável que a abandona depois de dois anos. Passa fome, pede dinheiro emprestado e não paga, dá algumas aulas de matemática e redige sermões para sobreviver. Em 1741, encontra Antoinette, atraente mulher de 31 anos de idade, filha de uma pequena comerciante de roupas feitas. Casa-se, apesar dos protestos do pai, que chega a solicitar a sua prisão. Em 1744, nasce uma filha, Angélica, e os problemas de subsistência continuam a atormentá-lo. O abismo entre o casal é cada vez maior: Antoinette representa o prosaico, a ordem, a limpeza, a ignorância, enquanto Diderot é boémio, desordenado e inteligente. Para piorar ainda mais a situação, Diderot arranja uma amante, a sra. Puissieux, também atormentada por problemas económicos.

Uma enciclopédia abala a França
A salvação veio sob a forma de um convite dos livreiros Briasson, Durand e David para que Diderot traduzisse do original inglês a Cyclopédia de Ephraim Chambers, publicada era 1728. Pagar-lhe-iam cem libras mensais. Diderot aceita e põe-se a trabalhar, projectando refazer a obra totalmente. Procura obter o apoio oficial do rei, mas consegue apenas a boa vontade do censor das publicações, desde que os artigos sobre religião, metafísica e filosofia fossem fiscalizados por um teólogo. Diderot convida D’Alembert para ocupar o cargo de codiretor para os assuntos científicos e reúne a intelectualidade francesa na casa da sra. Deffand, a fim de distribuir tarefas. Rousseau encarrega-se da parte de música, Dumarsais fica com a gramática, ao abade Mallet reserva-se a teologia. O próprio Diderot incumbe-se da história da filosofia, ofícios, artes técnicas e de tudo aquilo para o qual não achasse redactor. Além disso, escreveria o Prospecto, ficando para D‟Alembert o Discurso Preliminar. Ao lado do trabalho da Enciclopédia, cuja história seria longa e cheia de vicissitudes, Diderot dedica-se a outras tarefas, em parte porque as cem libras pagas pelos editores não permitiam satisfazer os encargos com Antoinette e a sra. Puissieux, mas sobretudo porque as suas inquietações intelectuais e artísticas exigiam outros meios de expressão. Escreve e publica, em 1746, os Pensamentos Filosóficos, que lhe rendem cinquenta luíses e provocam a sua condenação pelo Parlamento de Paris. O autor sustenta, nessa obra, os direitos da razão e da crítica diante da fé e da revelação, e isso parecia altamente perigoso às autoridades. Mas Diderot está disposto a enfrentar os inimigos. Escreve O Passeio do Céptico e é perseguido pela polícia, que acaba confiscando-lhe o manuscrito. Não se amedronta e redige a Suficiência da Religião Natural e As Jóias Indiscretas, obra que causa escândalo, mas vende bem. Tantas são as críticas, que desiste de imprimir a alegoria O Pássaro Branco, Conto Azul. Entretanto isso de nada adianta e as perseguições sucedem-se, culminando pela prisão no castelo de Vincennes.
Só em Agosto de 1749, cessa a sua incomunicabilidade e Diderot passa a receber a esposa e os amigos. No mesmo ano publica a Carta sobre os Cegos para Uso Daqueles que Vêem, onde coloca um problema de especial interesse para a teoria empirista do conhecimento: pode um cego de nascença, que recupere a visão, perceber a tridimensionalidade do espaço? A Carta conclui por um cepticismo relativista, mas contém em germe o materialismo organicista posteriormente desenvolvido por Diderot e que constitui o traço distintivo e original de seu pensamento dentro da filosofia do século XVIII». In Denis Diderot (1713-1784), Os Pensadores, Abril Cultural, tradução de Marilena Chauí e J. Guinsburg, editor Vitor Civita, 1979.

Cortesia de ACultural/JDACT