quinta-feira, 12 de março de 2015

Os Portugueses em Marrocos. António Dias Farinha. «… o seu declínio, aliado a razões conjunturais de forte poder político, permitiu ao marquês de Pombal, em 1769, o abandono da Mazagão, última praça que os portugueses mantiveram em Marrocos»

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O Interesse pelo Norte de África
«(…) O interesse pelas praças norte-africanas evoluiu durante os séculos XV e XVI; as motivações políticas e económicas persistiram como determinantes em diversas fases desse longo domínio. As razões políticas confundem-se com a própria formulação e dinâmica da expansão portuguesa, que postulava a conquista dos reinos de Fez e de Marrocos, considerada legítima porque se tratava de reconquista para a fé cristã os territórios usurpados pelos muçulmanos. A hierarquia religiosa abençoava este projecto, concedia-lhe importantes rendas eclesiásticas, a tal ponto que o valor destas parece ter determinado algumas atitudes do poder, e a referência à cruzada permitia apoios internacionais, em particular do papado, que condicionavam fortemente as opções portuguesas.
As praças marroquinas constituíam um dos lados do triângulo estratégico do Atlântico português, completado pela costa europeia e pelas ilhas. O monarca Manuel I planeou mesmo centrar na Madeira as acções a desenvolver, não só nesse espaço, mas ainda em regiões servidas pelas rotas marítimas que o atravessam. As praças do estreito de Gibraltar asseguravam a defesa contra os piratas e a segurança das rotas marítimas entre o Mediterrâneo e o Atlântico. Esta ordem de factores, de índole essencialmente política, pressupunha numerosos compromissos pessoais ou de grupo. A nobreza, por exemplo, mostrava-se cada vez mais enredada na teia dos proveitos das empresas ultramarinas, em particular na ascensão social, bem ilustrada na família Meneses, e nas benesses repartidas entre os fronteiros de África, como os que foram concedidas aos capitães e povoadores das Ilhas em paga de serviço em Marrocos.
A força dos argumentos de carácter politico em favor da permanência em África alcançou todo o seu sentido quando a crise ocasionada pela perda de Agadir, em 1541. Foram abandonadas todas as praças que os portugueses ali detinham, com excepção de Ceuta, Tânger e Mazagão. As primeiras mantinham o controlo do Estreito e seriam a porta destinada a um possível ataque ao reino de Fez. Guardavam também a magia do símbolo, a evocação da empresa pioneira da gesta marroquina e do martírio do infante Fernando. Por aquela zona (por Arzila, de novo e de forma efémera nas mãos dos portugueses) passou o rei Sebastião a Alcácer Quibir para testemunhar perante a História um dos sentidos básicos da colonização portuguesa dos séculos XV e XVI. No sul de Marrocos, o rei João III decidiu manter Mazagão, onde mandou erigir poderosas fortificações para apontar a Marraquexe, capital dos xarifes, a ameaça de uma rápida invasão. O repto foi aceite e os mouros cercaram, sem êxito, a praça em 1562. Ali mandou Sebastião I, em 1578, uma armada destinada a iludir Mulei Maluco quanto ao local de desembarque do exército português apoiante de seu sobrinho, o sultão deposto, Mulei Mahamet.
Os interesses económicos ligados à presença portuguesa nas praças de Marrocos são de índole muito diversa, como seria de esperar da ocupação, por um período de mais de três séculos, de um espaço marítimo vasto, da existência de terras muito ricas e de um povo habituado a um comércio de longa distância. Essas motivações foram determinantes em vários períodos, como quando se tratou de adquirir tecidos e outros produtos para os negros da zona da Mina, no princípio do século XVI, o seu declínio, aliado a razões conjunturais de forte poder político, permitiu ao marquês de Pombal, em 1769, o abandono da Mazagão, última praça que os portugueses mantiveram em Marrocos». In António Dias Farinha, Os Portugueses em Marrocos, Instituto Camões, Colecção Lazúli, IAG, Artes Gráficas, ISBN 972-566-206-7.

Cortesia de Instituto Camões/JDACT