quarta-feira, 4 de março de 2015

República e Republicanismo. Maria C. Proença e Luís Farinha. «No fim do dia 4, a situação das tropas fiéis ao Governo no Rossio, era difícil. Os navios tinham rumado para perto do Terreiro do Paço. ‘O São Rafae’l fez fogo sobre os ministérios desta praça…»

Cortesia de wikipedia

A Monarquia Nova e o Congresso de Setúbal
«(…) Um dos aspectos a ter em conta era o do apoio externo após a revolução. Nesse sentido, em Abril de 1910, reuniu-se um novo Congresso em que foi nomeada uma comissão encarregada de ir ao estrangeiro expor e tornar conhecidos o programa do partido e as intenções dos seus dirigentes quando se desse a mudança inevitável do regime. Um dos pontos essenciais da referida missão consistia em garantir na Inglaterra que, no caso de um triunfo republicano, seria mantida, nas mesmas bases, a aliança tradicional entre os dois países, para assegurar a não interferência da nossa velha aliada em defesa do trono. A missão republicana deslocou-se ainda a outros países, tendo distribuído pelos principais órgãos da imprensa internacional um relatório sobre a situação política portuguesa.

O 5 de Outubro de 1910
As forças armadas, consideradas indispensáveis para levar a efeito uma acção revolucionária, foram um campo importante de recrutamento para os ideais republicanos. O aliciamento da maior parte dos oficiais ficou a dever-se ao vice-almirante Cândido dos Reis. A acção conjunta deste, no Comité Militar Republicano com Machado Santos na Carbonária tornou possível infiltrar simpatizantes em várias unidades da Guarnição de Lisboa: Artilharia 1, Infantaria 2, Infantaria 5, Infantaria 16, Cavalaria 2 (Lanceiros), Cavalaria 4, Caçadores 2, Caçadores 5, Regimento de Engenharia, Guarda Fiscal e corpo de marinheiros, incluindo a guarnição dos três cruzadores surtos no Tejo (Adamastor, São Rafael e D. Carlos) e base de torpedeiros em Vale do Zebro. Cândido dos Reis não estava muito convicto de que os republicanos dispusessem do apoio militar suficiente para o triunfo da revolução, mas Machado Santos, continuava entusiasmado e queria avançar para a luta armada, o mais cedo possível. Após o trabalho de recrutamento passou-se à elaboração do plano do movimento revolucionário, para o qual concorreram três oficiais de carreira: o capitão Sá Cardoso e os tenentes Hélder Ribeiro e Aragão Melo. A cidade foi dividida em zonas para as quais se disporia de 60 grupos de civis, cada um deles constituído por 16 homens, 5 armados com 5 bombas cada um, 5 com pistolas-metralhadoras e 6 desarmados que tinham por missão a vigilância e a transmissão de ordens. A esta  organização civil juntava-se a preparação militar do golpe que tinha como objectivo o ataque simultâneo a três pontos considerados fundamentais: o Quartel do Carmo, o Quartel-General e o Palácio Real das Necessidades, onde o rei devia ser preso. Duas notícias precipitaram a revolução: o assassinato de Miguel Bombarda que estava incumbido da distribuição de armas aos grupos civis, e a informação, dada a Cândido dos Reis, de que os navios que estavam no Tejo iriam sair no dia 4. Perante estas notícias e a informação de que a Guarnição de Lisboa estava a ser posta de prevenção alguns oficiais republicanos desaconselharam a revolução, mas Cândido dos Reis e Machado Santos resolveram avançar. O plano traçado não se concretizou, porque se foi fácil para os revolucionários apoderarem-se de Infantaria 16, Artilharia 1 e do Quartel de Marinheiros em Alcântara, não conseguiram, contudo, sublevar a maior parte das unidades. De início as coisas não pareciam correr bem para os revoltosos. Desde logo, o sinal de três tiros de canhão que marcaria para civis e militares o momento de avançar falhou. Apenas um tiro foi ouvido e Cândido dos Reis que esperava o sinal para embarcar e assumir o comando dos navios, perante o silêncio que se seguiu, convenceu-se do malogro da revolução e, pouco depois, suicidava-se.
Com as tropas sublevadas que se tinham concentrado na Rotunda, também as coisas não começaram por correr bem. Face à ausência dos principais dirigentes republicanos e aos boatos que começavam a circular, os capitães Sá Cardoso e Afonso Palla, com outros oficiais, consideraram que deveria levantar-se o acampamento, mas Machado Santos recusou-se a desistir e manteve-se sozinho no comando. A pouco e pouco, os civis e soldados ajuramentados na Carbonária começaram a juntar-se aos revoltosos na Rotunda, assegurando a resistência. A revolta da esquadra sita no Tejo contribuiu decisivamente para a vitória republicana. Por outro lado, logo no início da revolução os carbonários tinham desligado os fios telegráficos impedindo o Governo de pedir reforços vindos de fora. As linhas férreas também tinham sido cortadas, impossibilitando o avanço de tropas, enquanto que do Sul também não podiam chegar reforços, já que os navios revoltados dominavam o Tejo. No fim do dia 4, a situação das tropas fiéis ao Governo no Rossio, era difícil. Os navios tinham rumado para perto do Terreiro do Paço. Ao fim da tarde, o São Rafael fez fogo sobre os ministérios desta praça, provocando o pânico nas hostes monárquicas que se sentiam entre dois fogos, com os republicanos de Machado Santos na Rotunda e os navios frente ao Terreiro do Paço. Perante o evoluir dos acontecimentos e depois dos bombardeamentos dos navios sobre o Palácio das Necessidades, o rei, a conselho de Teixeira Sousa, abandonou Lisboa, para que as tropas que defendiam o Paço pudessem ir auxiliar nos combates na Rotunda e no Rossio.
Na manhã do dia 5, após um cessar fogo de uma hora, pedido pelo encarregado de negócios alemão para embarcar os estrangeiros residentes em Lisboa, ocorria a rendição das tropas monárquicas perante Machado Santos. Pouco depois, era proclamada a República no edifício da Câmara Municipal de Lisboa». In Maria C. Proença e Luís Farinha, República e Republicanismo, Instituto Camões, Março 2009.

Cortesia de ICamões/JDACT