terça-feira, 3 de março de 2015

A Data de Nascimento de Afonso Henriques. Abel Estefânio. «Queria mencionar especialmente José Mattoso pela sua disponibilidade, pelos seus ensinamentos e pela sua orientação nesta minha incursão pela ‘sua floresta medieval’, para a qual não estava preparado»

Cortesia de wikipedia

Resumo
«Apesar do desafio aliciante que sempre constitui um enigma, a contradição das fontes mais antigas sobre a data de nascimento de Afonso Henriques nunca foi devidamente estudada, por não se considerar o assunto suficientemente relevante para a história, pouco interessada com a averiguação isolada de factos do passado. Não é de estranhar, assim, que este artigo surja à margem da historiografia profissional, apesar de ter sido a recente publicação da biografia do rei Afonso Henriques que veio renovar o interesse pelo facto. Este trabalho propõe-se revisitar as fontes coevas à luz da crítica textual. Pretende-se demonstrar que a Vita Theotonii, sendo a fonte primordial, contém já em si os vestígios do «pecado original» donde procede a confusão acerca da data de nascimento do nosso primeiro rei, que perdurou até aos nossos dias. A finalidade explicitada acaba assim por se tornar um pretexto para uma reflexão mais ampla sobre os problemas da transmissão textual».

A data de nascimento de Afonso Henriques. Introdução e enquadramento do estudo
Siquidem mortuo patre suo Comite Domino Henrico cum adhuc ipse puer esset duorum aut trium annorum (Chronica Gothorum) Pois ao tempo que seu pay o cõde dom Anrrique faleceo, elle principe dõ Afonso ficou em idade de seys annos (Ásia de João de Barros)
No ano em que as cidades de Viseu, Guimarães e Coimbra comemoraram os 900 anos do nascimento de Afonso Henriques, podemos constatar a importância que estas três cidades colocaram na reivindicação do fundador da nacionalidade. O confronto entre elas lembra o de várias mães disputando a mesma criança. À alegria da primeira em acolher o filho que não sabia que tinha, responde a segunda, dramatizando a perda de um filho que sempre considerou seu, e a terceira, resignada com a partilha do filho com as outras duas. Perante estas exacerbadas paixões, o Presidente da Republica demarcou-se, com evidente sensatez: Às dúvidas dos historiadores, respondemos, e basta: viu a primeira luz em terra que tornou Portugal e, afortunadamente, nasceu quando foi necessário. Curiosamente, apesar de todas as polémicas, as comemorações dos 900 anos sobre o nascimento do primeiro rei português coincidiram quanto ao ano da sua realização. A mesma data serviu ainda de pretexto para a realização do colóquio internacional Afonso Henriques: em torno da criação e consolidação das monarquias do Ocidente Europeu (séculos XII-XIII), Identidades e liminaridades, realizado na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, de 14 a 16 de Dezembro. Na conferência de abertura, José Mattoso começou por informar que tinha voltado à história para escrever a biografia de Afonso Henriques, pelo dever moral de preencher o lugar vazio deixado por Luís Krus, e que aproveitava a oportunidade para esclarecer a sua posição acerca da data de nascimento de Afonso Henriques. Referiu a tradição do nascimento em Guimarães, passando pela posição de Torquato Sousa Soares, que propôs Coimbra, até à de Almeida Fernandes, em Viseu, Agosto de 1109. Continuou afirmando que a demonstração deste lhe pareceu credível, mas que não fez investigação sobre o assunto. Considerou, contudo, que A. Fernandes preocupou-se pouco com a data. A hipótese de Viseu dependia assim do ano, dada a contradição das fontes. Só haveria certeza se dona Teresa tivesse permanecido sempre em Viseu, entre 1106 e 1110. José Mattoso, lamentando não o ter dito anteriormente com clareza suficiente, afirmou peremptoriamente: Não considero encerrado o problema da data e local.
Os problemas em história devem ser definidos pela ordem cronológica dos testemunhos a interpretar como fontes do conhecimento do passado. Este trabalho analisa o problema da determinação da data de nascimento de Afonso Henriques, a partir das fontes coevas. Mas será possível explicar informações divergentes entre fontes igualmente credíveis? Estamos conscientes que este é um processo complexo e, à partida, de eficácia duvidosa. Se o conseguirmos, estaremos no bom caminho para se encontrar a data de nascimento de Afonso Henriques. Caso contrário, podemos estar perante um problema insolúvel. Optei por seguir um processo iteractivo, procurando ajustar cada item de informação à seguinte como se tratasse de um cubo de Rubik. Como no famoso quebra-cabeças tridimensional, a construção não seguiu um processo linear, sendo necessário refazer as faces do problema várias vezes, até chegar a uma combinação que me pareceu adequada. Procurei justificar cada movimento, cada conjugação diferente que fui fazendo, em autoridades, mas também escrevendo aos autores, tendo obtido um número muito significativo de contribuições directas, numa manifestação de abertura que me surpreendeu positivamente, encorajando-me a prosseguir com o trabalho. A todos eles agradeço a colaboração. Queria mencionar especialmente José Mattoso pela sua disponibilidade, pelos seus ensinamentos e pela sua orientação nesta minha incursão pela sua floresta medieval, para a qual não estava preparado. Perdoe-me o historiador insigne por escrever o seu nome neste tosco trabalho, composto até na mesma linguagem dos velhos cronicões. Como é evidente, as conclusões apresentadas são da minha inteira responsabilidade e os pressupostos em que me baseei, em alguns casos, não são unanimemente aceites. Em algumas questões de pormenor, poucas, em que manifesto a minha discordância, procuro fundamentar as razões subjacentes. Embora me pareça que os resultados obtidos reforçam os pressupostos de que parti, não deixam de depender deles, nomeadamente no que respeita à datação crítica das fontes. Com outros pressupostos, as conclusões poderiam ser diferentes». In Abel Estefânio, A Data de Nascimento de Afonso I, Medievalista, nº 8, 2010, Instituto de Estudos Medievais, direcção de José Mattoso, ISSN 1646-740X.

Cortesia de Medievalista/JDACT