(…) Não é para mim motivo de afllicção
ou receio, o temor de me esquecer da infanta, pois esse receio seria sígnal de que
a esperança ainda não estava de todo morta em mim. Oxalá que neste perigo em que
estou de me esquecer da bem-amada, eu tivesse receio de a esquecer.
[…]
Mas triste quem não pôde já perder!
Senhora, a culpa é vossa,
Que, para me matar,
Bastára um’hora só de vos não ver.
Pusestes-me em poder
De falsas esperanças,
E do que mais me espanto:
Que nunca vali tanto,
Que visse tanto bem como esquivanças.
Valia tão pequena
Não
póde merecer tão doce pena.
Houve-se Amor comigo
Tão brando ou pouco irado,
Quanto agora em meus males se conhece.
Que não ha mór castigo,
Para quem tem errado,
Que negar-lhe o castigo que merece.
Da sorte que acontece
Ao misero doente,
Da cura despedido,
Que o medico advertido
Tudo quanto deseja lhe consente,
O Amor me consentia
Esperanças,
desejos e ousadia.
E
agora venho a dar
Nota: Lê-se na 1ª
edição (versos 72-78)
E bem
como acontesce
Que,
assi como ao doente.
Da
cura despedido,
O medico
sabido
Tudo
quanto deseja lhe consente,
Assi
me consentia
Esperança, desejo & ousadia.
Conta do bem passado
A esta triste vida e longa ausência.
Quem póde imaginar
Que houvesse em mi pecado,
Digno duma tão grave penitencia?
Olhai que é consciência,
Por tão pequeno erro,
Senhora, tanta pena!
Não vedes que é onzena?
Mas, se tão longo e misero desterro
Vos dá contentamento,
Nunca me acabe nelle meu tormento.
Rio formoso e claro
E vós, ó arvoredos.
Que os justos vencedores coroais
E ao cultor avaro,
Continuamente lêdos,
De um tronco só diversos frutos
dais,
Assim nunca sintais
Do tempo injuria algua,
Que em vós achem abrigo
As maguas que aqui digo,
Emquanto der o sol virtude á lua;
Porque de gente em gente
Saibam que já não mata vida
ausente.
Canção, neste desterro viverás,
Voz nua e descoberta,
Até que o tempo em ecco te converta.
(canção
6ª)
Nota: Segundo W. Storck, que
suppõe esta canção escripta nas ilhas de Banda, trata- se das moscadeiras. Estes
diversos fructos, que nascem de um tronco só, não podem ser senão a flor e a noz
moscada, o dúplice grão cheiroso da Myrijica aromática, tão bella na sua ramagem
laurinea. Não resta, porém, duvida que o poeta falla aqui das palmeiras, que os
justos vencedores coroam, e que tanto abundam nas Molucas. Os diversos fructos que
provêm d’um só tronco podem significar os variados productos de certas palmeiras.
Eis como elle começa: Ruano. Do arvore dos coquos, chamado assim dos
Portuguezes, me dizei; que sempre ouvi dizer que era hum arvore que dava muitas
cousas nesseçarias á vida humana. Orta. Dá tantas e nesseçarias, que não sey
arvore que dê a sesta parte. Ou alludirá o poeta ao facto de terem o nome de palmeiras
plantas que dão fructos tão differentes como o coco, a tâmara, a areca, etc.? A
leitura de Barros, Década 3.ª, 5, 5, favorece a primeira explicação». In
José Maria Rodrigues, Camões e a Infanta Dona Maria, Separata do Instituto,
Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1910, há memória do
Mal-Aventurado Principe Real Luis Philippe (3 1761 06184643.2, PQ 9214.R64 1910.C1.Robarts/.
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