Isabel.
Maio de 1588
«(…) Blanche, não é velha,
afirmei. Se oitenta anos não é velhice, então quando é que ela começa?, replicou.
Alguns anos a mais da idade de qualquer outra pessoa, respondi. Obviamente,
noventa. Há alguém ainda na corte com noventa anos? Não conseguia lembrar-me de
ninguém. Então, era uma boa idade para ser almejada. Bem, alguns dizem que a senhora é velha, ela
rebateu. Absurdo!, respondi. Desde quando cinquenta e cinco anos é velhice? Deixou
de ser velhice quando a senhora chegou lá, disse Catherine. Eu deveria nomeá-la
embaixadora de alguma coisa, comentei. Que diplomata! Mas, querida prima, não
suportaria perdê-la. E você, aguentaria viver com os franceses ou
dinamarqueses? Os franceses pela moda, os dinamarqueses pelos doces, respondeu Marjorie.
Não é uma má escolha. Mal a escutei. A Armada vai partir, informei. Atracará
por aqui em breve. Marjorie e Catherine baixaram as colheres e os semblantes ficaram
sérios. Eu sabia!, disse Blanche. Percebi que isso ia acontecer há muito tempo
e te avisei. O mesmo aconteceu ao rei Artur. Do que está falando? Marjorie
perguntou incisiva. É mais um de seus resmungos galeses? E não me venha com os
absurdos sobre clarividência. Blanche levantou-se e continuou a falar. Eu sabia
que o legado do rei Artur mudaria. A rainha é descendente dele. Todos sabemos
disso. Meu primo, dr. Dee já provou esse facto. Artur deixou um assunto
inacabado: a batalha final. Um grande teste de sobrevivência para a Inglaterra.
Não tem nada a ver com o rei
Artur, disse Catherine. Os astrólogos já previram que 1588 seria o ano de um
acontecimento importante. Tudo o que Dee fez foi confirmar. A previsão, feita
há duzentos anos por Regiomontano, dizia que 1588 seria um ano de completa
catástrofe para todo o mundo, disse Blanche calmamente. A previsão exacta dizia
Os impérios cairão e haverá lamúrias de ambos os lados. Sim, mas quais
impérios?, repliquei. O Oráculo de Delfos não disse ao rei Creso que, se ele
invadisse a Pérsia, um grande império seria destruído? Só que o império
destruído foi o de Creso e não o persa. Deveria haver três eclipses este ano,
disse Blanche destemida. Um do sol e dois da lua. O do sol já foi em Fevereiro.
Que venham!, exclamei. Como se pudesse fazer algo para impedi-los. Precisava ficar
sozinha. Nem mesmo o meu trio de confiança me tranquilizava. Após a refeição,
fui para o jardim da rainha. O Whitehall era um palácio colossal, construído a
partir de uma mansão ribeirinha, com cidade interna própria e até mesmo uma rua
e duas portarias. Possuía arenas para combates de cavaleiros, campos de
batalha, quadras de tênis e campos de caça a faisões, era difícil encontrar um
local isolado. Mas o jardim, localizado entre as muralhas das demais
construções, protegia-me dos olhares curiosos.
Gramados delimitados por pequenas
grades brancas e verdes formavam padrões geométricos que ziguezagueavam por
toda a área verde. Tudo muito bem organizado e dentro dos limites da
propriedade. Ah, meu Deus, se o mundo inteiro fosse assim! Se a Espanha ficasse
apenas dentro dos seus próprios limites. Nunca tive ambições territoriais. Ao contrário de meu pai e das
suas gloriosas tentativas de guerras externas, vivo muito bem dentro do meu próprio
reino. Dizem que isso se deve ao facto de ser mulher. Preferiria que dissessem
que é porque sou sensível. A guerra é um ralo por onde escorrem dinheiro e
vidas, jamais ficando completo. Segui o ângulo da curva ao perceber que o
caminho sem saída terminava em outro. Um poste pintado marcava o local, com um
animal esculpido com o brasão das armas segurando um estandarte sobre ele. Era o
dragão vermelho galês, de boca e asas abertas, segurando o poste com as suas
garras. A família Tudor era galesa e, supostamente, descendia do rei Cadwalader.
Blanche ocupava os meus dias de infância com as histórias sobre Gales e até
mesmo me ensinava o idioma. Mas nunca estive lá. Observar o dragão esculpido em
madeira foi o mais próximo que cheguei. Quem sabe um dia...
Mas
esse dia ainda não havia chegado. E, agora, devo garantir que a própria Inglaterra
sobreviva, inclusive Gales. De uma coisa tinha certeza: não poderíamos resistir
à armada espanhola. Era uma das forças de combate mais afiadas do mundo. Não tínhamos
sequer um exército, apenas milícias de cidadãos armados e algumas comissões
particulares reunidas pela população abastada para esse fim. Portanto, os
espanhóis não podiam atracar. Nossos navios teriam de nos proteger e evitar o
combate. Os navios, não os soldados, seriam a nossa salvação. Os três homens
mais poderosos do reino estavam à minha frente, William Cecil, lorde Burghley,
tesoureiro; sir Francis
Walsingham, primeiro secretário e chefe do serviço de inteligência; Robert
Dudley, conde de Leicester, actual comandante supremo das forças inglesas,
enviado para ajudar os rebeldes protestantes nos Países Baixos enquanto lutavam
para se libertarem da Espanha, usando dinheiro inglês, é claro. Seria uma longa
sessão». In Margaret George, Isabel I, O Anoitecer de um Reinado, tradução de
Lara Freitas, Geração Editorial, 2012, ISBN 978-858-130-076-4.
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