quarta-feira, 15 de setembro de 2021

A Vitória do Imperador. Domingos Amaral. «Foi por minha exclusiva culpa que não conhecemos mais cedo os planos do Trava contra o Condado Portucalense»

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«Lourenço Viegas, filho de Egas Moniz e Dórdia Viegas, grande amigo de Afonso Henriques, casado com Maria Gomes, irmã de Chamoa Gomes. É o narrador da história.

Chamoa Gomes, filha de Gomes Nunes e Elvira Peres de Trava, irmã de Maria Gomes e viúva de Paio Soares, de quem tem três filhos, terá um quarto filho do seu primo Mem Rodrigues de Tougues, e terá ainda dois filhos de Afonso Henriques, Fernando e Pedro Afonso.

Fátima, neta do último califa de Córdova, filha de Hixam de Hisn e de Zulmira.

Zaida, neta do último califa de Córdova, filha de Hixam de Hisn e de Zulmira.

Zulmira, neta do rei de Sevilha e filha de Zaida de Sevilha. Casou em primeiras núpcias com Hixam de Hisn, de quem tem duas filhas, Fátima e Zaida. Casou em segundas núpcias com Taxfin, governador de Córdova. Morre em 1129.

Zaida de Sevilha, provavelmente filha do rei de Sevilha Al-Mutamid, casa com Afonso VI e converte-se ao cristianismo. É ficcionada a existência de uma filha sua, Zulmira, e de duas netas, as princesas Zaida e Fátima».

Coimbra, Páscoa de 1131

«(…) Enamorado, sentiu primeiro paixão e depois, como quase sempre nos homens, um profundo medo de a perder. O seu coração encheu-se de temor das rivalidades e perguntou: O vosso amigo Mem, o almocreve, não vos visita? Zaida contou que já não eram tão próximos como dantes, enquanto a mãe Zulmira fora viva, pois o pobre almocreve ainda se torturava por não ter impedido a morte dela. Não teve forças para matar o assassin recordou Zaida. A sangrenta tragédia acontecera no casão agrícola do almocreve e as duas princesas mouras só haviam escapado a uma morte horrível devido à súbita aparição de Afonso Henriques, que eliminara o assassin, atirando-lhe um punhal à garganta. Gonçalo recordou a importância da enigmática arma, em cujo cabo se dizia ter sido gravado, em latim, o nome do local onde estava escondida a relíquia sagrada, trazida pelo conde Henrique da Terra Santa. Porém, Zaida limitou-se a suspirar, desalentada: nada sabia sobre o punhal do falecido esposo de Chamoa, muito menos sobre Sohba, a sua tia bruxa, que nunca mais reaparecera.

Filha, não é altura para falar disso...

Encolhendo os ombros, Zaida murmurou que aquelas eram irrelevâncias sem sentido. A minha mãe não vai ressuscitar, acrescentou. Vendo-a tão triste, o compassivo Gonçalo Sousa abraçou-a e renovou a promessa de tomar conta dela e de levá-la para a sua Córdova natal em breve. Mostrando-se grata, a hábil moura ofereceu-se outra vez, arqueando para ele as nádegas.

Filha, valerá a pena dar-vos tanto?

Foi grande o contentamento de Gonçalo nos dias seguintes. Feliz e enérgico, desaparecia todas as tardes sem explicar onde ia. Contudo, aquela euforia pouco durou. Por razões que não estou certo serem as mais nobres, Afonso Henriques anunciou que Gonçalo Sousa iria ser o alcaide do Castelo de Celmes, cuja construção começaria em breve, tendo de rumar ao Norte depressa, para dirigir as operações. Incrédulo, o nomeado protestou, invocou a sua recente e tórrida amizade à princesa moura e chegou mesmo a acusar o príncipe de o querer afastar dela, mas Afonso Henriques negou tal malícia, dizendo que também ele iria para Guimarães, enquanto Zaida permaneceria em Coimbra. Pelo menos, deixai-me levá-la comigo!, pediu o enamorado. O príncipe de Portugal não o autorizou, pois a possibilidade de uma guerra com o Trava era real. Celmes não era lugar para uma rapariga, só para destemidos e corajosos cavaleiros! Dias depois, zangado e contrariado, Gonçalo partiu de Coimbra e, tal como ele, também pensei que a princesa moura se iria entristecer de novo, mas não foi isso que se passou. A bela Zaida era um enigma indecifrável. Seja como for, Afonso Henriques, embora talvez pelos motivos errados, tomara a decisão certa. Celmes era um perigo, ainda bem que Zaida não rumou para lá com Gonçalo.

Tui, Dezembro de 1131

Foi por minha exclusiva culpa que não conhecemos mais cedo os planos do Trava contra o Condado Portucalense. Naquele Natal, eu e minha mulher não fomos a Tui passar a quadra festiva com a família dela. Maria Gomes andava indisposta há semanas e, convencido de que ela esperava finalmente uma criança, recusei-me a viajar por temer os solavancos da estrada e a travessia do rio Minho. Lourenço, não temais, sou resistente, contestou ela. Mas a decisão estava tomada e, ao contrário do que fizéramos nos últimos anos, ficámos em Guimarães, enquanto em Tui, como de costume, Gomes Nunes e Elvira Peres Trava, os pais de Maria e Chamoa, aproveitaram a ocasião para reunirem os Trava. Por lá apareceram Bermudo Peres Trava e sua esposa Urraca Henriques, irmã do nosso príncipe, bem como o inevitável Fernão Peres. E, desta vez, compareceu também Mem Rodrigues Tougues, filho de outro irmão Trava e pai do quarto filho de Chamoa, nascido nesse verão. Embora não vivessem como marido e mulher, pois minha cunhada recusara juntar-se ao primo direito, o filho comum forçava a aproximação entre os dois. Da última vez que a havíamos visitado, Chamoa jurara-me que jamais dividiria o leito com o Tougues, nem dele voltaria a procriar, por continuar enamorada de Afonso Henriques. Porém, minha mulher, que conhecia bem a mana, comentara na viagem de regresso: Chamoa não suporta os pés frios na cama... No Natal, unem-se. Assim seria, embora não pelas razões previstas. Não foi por falta de aquecimento pedestre que Chamoa se enfiou finalmente na cama com Mem Tougues, mas sim por lealdade a Afonso Henriques, por mais estranho que isso possa parecer». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, A Vitória do Imperador, Casa das Letras, LeYa, 2016, ISBN 978-989-741-461.

Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT

JDACT, Domingos Amaral, História, Literatura, A Arte,