terça-feira, 14 de setembro de 2021

Domingos Amaral. A Vitória do Imperador. «Mostrando-se contente, Zaida sorriu em silêncio, cobrindo-o com mais beijos ousados. Após nova de ronda de prazeres, ele estava conquistado»

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«Lourenço Viegas, filho de Egas Moniz e Dórdia Viegas, grande amigo de Afonso Henriques, casado com Maria Gomes, irmã de Chamoa Gomes. É o narrador da história.

Chamoa Gomes, filha de Gomes Nunes e Elvira Peres de Trava, irmã de Maria Gomes e viúva de Paio Soares, de quem tem três filhos, terá um quarto filho do seu primo Mem Rodrigues de Tougues, e terá ainda dois filhos de Afonso Henriques, Fernando e Pedro Afonso.

Fátima, neta do último califa de Córdova, filha de Hixam de Hisn e de Zulmira.

Zaida, neta do último califa de Córdova, filha de Hixam de Hisn e de Zulmira.

Zulmira, neta do rei de Sevilha e filha de Zaida de Sevilha. Casou em primeiras núpcias com Hixam de Hisn, de quem tem duas filhas, Fátima e Zaida. Casou em segundas núpcias com Taxfin, governador de Córdova. Morre em 1129.

Zaida de Sevilha, provavelmente filha do rei de Sevilha Al-Mutamid, casa com Afonso VI e converte-se ao cristianismo. É ficcionada a existência de uma filha sua, Zulmira, e de duas netas, as princesas Zaida e Fátima».

Coimbra, Páscoa de 1131

«(…) Tristonha, fez beicinho e murmurou: É bom ver-vos, sinto-me muito sozinha.

Filha, quereis dar-vos a ele?

Devido à morte de Zulmira, aquela que era uma das netas do último califa de Córdova confessou que a sua existência presente era pesada e sombria. A irmã Fátima ainda aspirava à glória que dizia merecer, sonhando com o regresso ao trono da antiga capital do califado muçulmano da Andaluzia, mas Zaida já não alimentava essa fantasiosa crença. Em voz baixa, recordou que quase todos os que amava tinham morrido. A solidão em Coimbra tornara-se um duro hábito e ver Gonçalo ali era motivo de enorme felicidade. Sempre simpatizara com ele e, sedenta de companhia e atenção, convidou-o a entrar na sua casa, alegando que era exímia cozinheira e lhe serviria um belo repasto. Parado, fingindo receio e desconfiança, Gonçalo perguntou: A Fátima não me cortará a cabeça? Zaida deu uma gargalhada, aquele rapaz divertia-a. Enquanto abria a porta e ambos entravam, explicou: Continua a mesma fera, mas não tem nenhuma arma. Mal o disse, ouviu-se na sala uma voz incomodada. No escuro, alguém afirmou o seu desprezo por ver ali Gonçalo: Tirai-me esse cristão da frente! Zaida ignorou a ordem da irmã e explicou que o convidara para almoçar escabeche de sardinhas, dando-lhe também a provar o arroz-doce que a mãe Zulmira a ensinara a cozinhar. Mal empregado açúcar, rezingou Fátima.

O nosso amigo admirou-a. Continuava magra e tensa, o oposto de Zaida, e os seus belos olhos negros não disfarçavam umas olheiras marcadas. A morte da mãe endurecera-a, tornando-a mais fria do que já era, com um timbre de voz mais ácido. Embora mantivesse o espírito arrogante de uma princesa real e a postura altiva de uma orgulhosa prisioneira, notava-se nela uma ferida na alma, como se tivesse perdido a intensidade absoluta das suas convicções. Prefiro a companhia dos cavalos, rosnou Fátima, passando em frente aos outros e dirigindo-se para a porta. Depois de ela sair, Zaida contou a Gonçalo que os animais eram a única distracção que os cristãos permitiam a Fátima. Não é boa ideia, ainda foge num!, protestou Gonçalo. Enquanto ia e vinha da cozinha, trazendo os alimentos e um jarro de vinho, Zaida explicou que o picadeiro onde a irmã passava as tardes era fechado e os soldados vigiavam-no sempre, pois tratavam-se de cavalos de guerra. Tendes maravilhosos dotes, apreciou Gonçalo, entusiasmado com o cheiro saboroso que emanava dos pratos confecionados por Zaida. Os meus melhores truques são secretos!, ripostou ela, marota e sorridente, regressando à cozinha aos saltinhos.

Filha, fui eu que vos ensinei, mas tende cuidado...

Pouco depois, com um arremesso de coragem típico dos sedutores, Gonçalo agarrou-a pela cintura e sentou-a nas suas pernas, ouvindo-a libertar risinhos de agrado. Dai-vos, minha bela princesa, é tudo o que desejo!, pediu. A rapariga moura bateu as pestanas e perguntou: Levais-me para Córdova? Gonçalo disse que sim, mas diria que sim a tudo, tal era o seu intenso desejo. Agradada, Zaida aceitou os seus mimos e, pela primeira vez, cedeu às intenções de um homem.

Filha, ele é amigo do Afonso!

Com gestos lentos mas precisos, o nosso amigo despiu-lhe o alifafe e o vestido e apreciou demoradamente o seu belo corpo feminino. O peito de Zaida era cheio e Gonçalo não resistiu a cobri-lo de beijos. Entusiasmada, a moura levantou o saiote dele e, ajoelhada a seus pés, beijou-o. De seguida, os dois mudaram-se para o quarto e deitaram-se nus no colchão de uma grande cama, amando-se sem pressas e sem pausas. Zaida, bem industriada pela mãe Zulmira, que lhe revelara os famosos e ancestrais truques dos haréns de Sevilha e de Córdova, deixou Gonçalo boquiaberto com a sua mestria, ao ponto de este lhe ter perguntado se era mesmo virgem. Sois o meu primeiro homem, declarou com solenidade a rapariga. Depois, como muitas vezes acontece às mulheres, terminado aquele quente e doce combate carnal, emocionou-se e chorou, com a cabeça no ombro do seu primeiro amante. As saudades da mãe eram muitas e, piedoso mas também esperto, o dedicado Gonçalo prometeu que a viria visitar todos os dias, enquanto estivesse em Coimbra. E, logo que pudesse, iriam para Córdova.

Filha, vinde ter comigo, ele traz-vos!

Mostrando-se contente, Zaida sorriu em silêncio, cobrindo-o com mais beijos ousados. Após nova de ronda de prazeres, ele estava conquistado». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, A Vitória do Imperador, Casa das Letras, LeYa, 2016, ISBN 978-989-741-461.

Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT

JDACT, Domingos Amaral, História, Literatura, A Arte,