«É a designação adoptada pelo subscritor para aludir ao complexo formado pelo Palácio-Convento de Mafra, Jardim do Cerco e Tapada. De resto, à imagem do que sucedeu até à implantação da República, de cuja acção e negligência resultou o actual estado de coisas: o desmembramento de um todo coerente, delineado e concretizado sob a direcção do Magnânimo, Fidelíssimo e Luso Rei Sol, dom João V. Julgo ser este o momento oportuno para expor informações, ideias, reflexões e sugestões que o meu conhecimento documentado das diversas facetas do seu quotidiano desde as origens parece autorizar. E, deste modo, dar o meu contributo para uma célere candidatura do Monumento de Mafra à classificação como Património Mundial. O acervo actualmente patente no Palácio Nacional de Mafra foi organizado pela iniciativa, proficiência e depurado sentido estético do seu primeiro Director, Ayres Carvalho, há mais de cinquenta anos. As opções museológicas então adoptadas, e são anacrónicas todas as discussões hodiernas acerca da sua legitimidade ou adequação, deveram-se a um conjunto de circunstâncias conjunturais em que avultaram: 1. a imperiosa necessidade de rapidamente tornar condigno um monumento, autêntico ex-libris do barroco português, praticamente abandonado à sua sorte desde a implantação da República, em 1910; 2. a circunstância de não existir no edifício mobiliário e adereços em quantidade e qualidade para povoar de forma adequada o tão avultado número de salas e divisões por onde os visitantes eram encaminhados para a Biblioteca, a única pérola verdadeiramente genuína do diadema.
Confrontado com a
contingência de não lograr cumprir a incumbência para que havia sido nomeado, Ayres
Carvalho viu-se, assim, compelido a angariar todos os trastes que jaziam em
depósitos e armazéns estatais, valorizando-os tanto quanto possível, e
dispondo-os mais consoante as suas próprias características do que tendo em
consideração o quotidiano palaciano de Mafra, de resto, até então, só muito
incipientemente investigado. Inúmeras salas vazias passaram a dispor de acervos
alheios e, com a chegada e arrumação destes, adquiriram designações e funções
que nunca tinham tido, tornando-se, quiçá, agradáveis aos sentidos, mas, igualmente,
palco para cenografias e reconstituições de fantasia. Talvez o exemplo que
melhor retrata a situação descrita tenha sido a mudança dos aposentos da Rainha,
primitivamente no torreão Sul, para o torreão Norte, onde se haviam situado os
aposentos do Rei, e vice-versa, prejudicando doravante a adequada leitura e
compreensão da mensagem panegírica dos frescos parietais de Cirilo Volkmar
Machado… Não será difícil invocar mais casos, existindo salas onde todos os
objectos expostos são oriundos de outros edifícios, nomeadamente dos Palácios
da Ajuda, das Necessidades e de Sintra, ou ainda algumas onde só uns quantos
ali se acham originários de Mafra, caso da Sala da Audiência, à qual apenas o
trono pertence.
Em suma, quem após
visitar o Palácio Nacional de Mafra se julgue, e não serão poucos os visitantes
equivocados, ciente da forma como aí se desenrolava a vida cortesã, mais não
fez do que passear-se por ambientes recriados segundo critérios estéticos e museológicos,
senão já obsoletos, pelo menos destituídos da autenticidade histórica exigida
pela maioria dos actuais utentes, para já não referir a sua mais completa incompatibilidade
com a vertente didáctica que um monumento da envergadura física e ideológica
deste, obrigatoriamente, tem de assumir, sob pena de um divórcio completo com a
comunidade. Nesta conformidade, o Palácio Nacional de Mafra terá, a breve
trecho e inexoravelmente, de reformular-se museograficamente, integrando quer a
imensa panóplia de dados históricos, culturais e científicos já disponíveis, quer
as especificidades locais e regionais, inclusivé ao nível da sua gestão,
porquanto este particular Palácio é, em primeira instância, património mafrense…
Ao disponibilizar o primeiro volume (letra A) do presente Catálogo-guia, sob a forma de uma
enciclopédia organizada alfabeticamente, proponho um périplo compreensivo que,
creio, abrange todo o espectro das vivências e actividades representativas no Monumento de Mafra, a saber: a
Intimidade; a Corte e a Governação; a Religiosidade; a Cultura e a Instrução; as
Artes; o Lazer e as Diversões». In Manuel J. Gandra, O Monumento de Mafra
de A a Z, 1º Volume, Colecção Mafra de Bolso, Wikipedia.
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