sexta-feira, 3 de setembro de 2021

Os Arquivos Secretos do Vaticano. Sérgio P. Couto. «As heresias seriam então formas de religiosidade cristã que destoam das estabelecidas pelos apóstolos, mártires e primeiros cristãos em geral»

Cortesia de wikipedia e jdact

As acusações

(…) Outro ponto que deve ficar claro é que a Inquisição (maldita) apenas fazia as investigações e inquéritos, deixando a aplicação da pena final para o poder secular. Aos poucos, a partir do século XIX, os tribunais inquisitórios foram suprimidos pelos estados europeus, embora fossem mantidos pelo Estado Pontifício, hoje a cidade-estado do Vaticano. A partir de 1908, no pontificado de Pio X (1835-1914), a Inquisição (maldita) ganhou a nova denominação de Sacra Congregação do Santo Ofício e, em 1965, quando aconteceu o Concilio Vaticano II, assumiu o nome que tem hoje: Congregação para a Doutrina da Fé.

Condenações e punições

A condenação máxima imposta pela Igreja para aqueles que eram acusados de heresia era a excomunhão e, depois, a morte por tortura ou mesmo na fogueira. Mesmo assim, o condenado não era executado sem mais nem menos; era necessário passar pelo menos mais de um ano excomungado e ser formalmente processado pela Igreja como tal. Pesquisadores afirmam que o processo culminava, em geral, com a sentença da entrega do herege ao braço secular da Igreja. Mas como surge uma heresia? Desde Jesus, passando pelos apóstolos, houve um esforço aparente e visível para que o cristianismo se tornasse a religião unitária, ou seja, que fosse a predominante. Historicamente falando, a primeira manifestação nesse sentido foi a manutenção da unidade em torno da figura do apóstolo Pedro. O argumento se baseia, é claro, no texto bíblico, que afirma que se há um só Deus, revelado em Jesus Cristo, que por sua vez fundou Sua única Igreja (como visto em Marcos 16:18) e que Jesus teria dito Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida, tudo isso leva a crer que não podem existir outros tipos de verdades.

Com o passar do tempo essas afirmações começaram a ser contestadas e geraram vários desdobramentos, cisões, rejeições da autoridade única e terminaram por proliferar nas mais diversas formas de religiosidade relacionadas com o Cristianismo. As heresias seriam então formas de religiosidade cristã que destoam das estabelecidas pelos apóstolos, mártires e primeiros cristãos em geral. No primeiro século da Era Cristã os movimentos heréticos iam contra as ideias propagadas por nomes consagrados da Igreja, que iam do próprio apóstolo João, já em idade avançada, até Clemente Romano ou São Clemente, quarto papa da Igreja entre 88 e 97, Orígenes de Cesareia (teólogo, 185-253), Inácio de Antioquia (bispo da Síria, 67-110), Policarpo de Esmirna (bispo daquela cidade, 70-160) e Irineu de Lyon (teólogo e escritor, 130-202), entre outros. O uso da palavra heresia no contexto cristão começou com Irineu de Lyon na sua obra Contra Haereses (contra heresias) para descrever e, ao mesmo tempo, desacreditar seus oponentes no começo das actividades cristãs. Ele descreveu a sua própria posição como sendo ortodoxa, que mais tarde, segundo algumas fontes, seria o padrão adoptado pelos defensores católicos. Mas como funciona o ponto de vista herético? Segundo os teólogos, os heréticos não percebem as suas próprias crenças como algo grave ou ofensivo para a ética em voga. Por exemplo, algumas correntes católicas consideram o protestantismo como heresia, enquanto outros não católicos chamam o catolicismo de a grande apostasia.

Para haver uma heresia, deve haver um sistema autoritário de dogmas, designados como ortodoxos, ou seja, que concorde com as leis que a Igreja considera verdadeiras. O primeiro uso conhecido do termo num contexto legal foi em 380 d.C., no chamado Edito de Tessalónia, imposto pelo imperador romano Teodósio, em 27 de Fevereiro de 380». In Sérgio P. Couto, Os Arquivos Secretos do Vaticano, Da Inquisição à renúncia de Bento XVI, Editora Gutenberg, 2013, ISBN 978-856-538-385-1.

 

Cortesia de EGutenberg/JDACT

 

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