terça-feira, 4 de outubro de 2022

Isabel de Aragão, Rainha Santa, no período medieval e na actualidade, uma visão comparatista entre textos literários e historiográficos. Isabel Maria M. Costa. «Assim, além de descrever e glorificar a vida e obra do santo, a sua morte e milagres, contribuindo, deste modo, de forma indirecta para a glória de Deus, mas também para edificação do crente…»

 

Cortesia de wikipedia e jdact

 «Filha de Pedro III de Aragão, esposa do Rei Dinis, sexto rei de Portugal, Isabel de Aragão, canonizada pela Igreja Católica, foi objecto de inúmeros estudos de cariz historiográfico, assim como biografias e romances históricos sobre a sua vida. Tendo em conta que a contemporaneidade continua à procura de figuras e mitos medievais, o romance histórico e as biografias promovem narrativas sobre este período, reconstruindo e relevando o passado histórico. Pretende-se neste estudo apresentar uma visão comparativa do que sobre a rainha Santa Isabel foi veiculado por quatro obras: o texto editado em 1921 por José Joaquim Nunes, Vida e Milagres de Dona Isabel, Rainha de Portugal; o romance de Vitorino Nemésio, Isabel de Aragão Rainha Santa, editado em 2002; a biografia de Maria Filomena Andrade, com o título Isabel de Aragão Rainha Santa, Mãe Exemplar, de 2014; e, por último, o romance histórico de 2016, de Isabel Machado, A Rainha Santa. Tentámos reconstruir uma imagem desta personalidade, focando a sua dupla faceta, histórica e literária / mítica. Neste sentido, analisámos, sobretudo, a forma como a Literatura se apropriou dos dados históricos, apresentando as diferentes descrições que os autores elaboraram sobre os acontecimentos vividos pela Rainha Santa Isabel, de modo a apreciar a originalidade de cada autor na sua abordagem à vida da mesma». In Resumo

A santa esposa do rei Dinis é uma das mais preciosas pérolas do Flos Sanctorum. No catálogo dos santos da Igreja católica, se exceptuarmos alguns dos primeiros mártires do cristianismo, encontrar-se-ão poucos que tenham reunido tantas virtudes como a rainha Santa Isabel de Portugal. (BENEVIDES, 2011). A escolha deste tema surgiu ainda como aluna do Seminário de Literatura e História do Mestrado em Estudos Portugueses Multidisciplinares da Universidade Aberta, quando abordámos a temática da proximidade entre a Literatura e a História, o que, de certa forma, suscitou em mim grande admiração sobre o modo como a Literatura se pode apropriar da História. Há sempre diversas razões que sustentam uma escolha. Neste caso, o tema surgiu também pelo fascínio pelo inquietante e longo período que é a época medieval portuguesa e pela oportunidade de poder contribuir para demonstrar o diálogo e a interacção que existe entre a História e a Literatura. Assim, tentaremos mostrar como a Literatura pode proporcionar uma perspectiva diferente, ou seja, uma outra leitura e visão dos factos históricos. A abordagem do binómio Isabel personagem histórica e Isabel personagem literária permitiu-nos verificar a grande componente interdisciplinar que existe entre estas duas áreas, aparentemente distantes e na verdade tão próximas, que se servem a si próprias e uma da outra para alcançar os seus objectivos.

O facto de ter nascido na cidade de Coimbra e de residir na mesma despertou-me um maior desejo em aprofundar a vida e a história da Rainha Santa Isabel. Acrescento que nutro por esta figura o maior respeito e admiração. Com este estudo, pretendo, de alguma forma, prestar uma homenagem justa a esta personagem ímpar da história da cidade de Coimbra, uma vez que, para os conimbricenses, a Rainha Santa é uma figura importantíssima na vida da comunidade, sendo também uma das Rainhas mais acarinhadas da História de Portugal.

Conceitos

O objectivo do presente capítulo é debater, numa perspectiva essencialmente teórica, um conjunto de conceitos e respectivas definições: hagiografia, biografia e romance histórico.

A hagiografia desenvolveu-se e consolidou-se a partir da Idade Média com a expansão do Cristianismo e a difusão do culto aos santos. Estes textos, escritos por biógrafos do sagrado, emanam da vontade de transformar relatos orais pré-existentes em documentos que, através da escrita, procuram uniformizar e legitimar uma crença. O Dicionário Breve de Termos Literários define Hagiografia como: Subgénero literário relativo à vida de santos. (PAZ e MONIZ, 2004). Neste tipo de texto é apresentada a vida de uma personagem de forma a legitimá-la como santo, o que é demonstrado graças à narrativa do seu percurso exemplar. Assim, são retratadas vidas de homens e mulheres que agiram de forma a determinarem a sua condição de sagrado.

Quanto à sua organização, as hagiografias medievais privilegiaram aspectos diferenciados dos santos, tendo enfatizado ora o nascimento, a vida, a morte ou os milagres. Estes textos foram utilizados para descrever o percurso de pessoas, homens ou mulheres, que alcançaram a santidade e que ao longo das suas vidas procederam de maneira exemplar. Sobre este assunto, António Manuel Rebelo afirma: Assim, além de descrever e glorificar a vida e obra do santo, a sua morte e milagres, contribuindo, deste modo, de forma indirecta para a glória de Deus, mas também para edificação do crente, a hagiografia aponta para objectivos porventura menos óbvios: morais, catequéticos, parenéticos, apologéticos, dogmáticos, eclesiásticos, pastorais e políticos…

Para Cristina Sobral, a categorização dos géneros narrativos coloca a hagiografia dentro da historiografia: Aponta a partilha pela hagiografia e pela historiografia medievais dos traços considerados específicos da hagiografia: a subjectividade, a exemplaridade, o uso da retórica, etc. Inscreve definitivamente a hagiografia no mesmo campo epistemológico da historiografia ao rejeitar a classificação tradicional e ao substitui-la por historiografia sagrada, considerada género histórico que toma como objecto não a história civil mas a história sagrada, eclesiástica, com todas as consequências que isso tem, incluindo o facto de o santo ser objecto de um culto». In Isabel Maria M. Costa, Isabel de Aragão, Rainha Santa, no período medieval e na actualidade, uma visão comparatista entre textos literários e historiográficos, Universidade Aberta, Mestrado em Estudos Portugueses Multidisciplinares, 2019.

Cortesia de UAberta/JDACT

JDACT, Isabel Maria M. Costa, História, Conhecimento, Caso de Estudo,