quinta-feira, 6 de outubro de 2022

Por Amor a uma Mulher. Domingos Amaral. «A união com a Galiza era um desejo antigo da família, que remontava pelo menos ao conde Henrique, e mesmo tendo de aturar o Trava mais uns anos o Condado ficaria mais sólido e poderoso…»

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NOTA: Afonso Henriques, nascido em 1109, filho do conde Henrique e de dona Teresa, neto de Afonso VI de Leão e primo direito de Afonso VII. Tem uma relação amorosa com Elvira Gualter, da qual nasceram duas filhas, Urraca e Teresa Gualter; e outra com Chamoa Gomes, de quem tem dois filhos, Fernando e Pedro Afonso. Será reconhecido com rei de Portugal, em 1143, em Zamora.

Viseu, Domingo de Páscoa, Abril de 1126

«(… ) Quando terminou a actuação dos bobos, dona Teresa voltou a levantar-se e proclamou: Anuncio-vos o casamento religioso de minha filha Sancha Henriques com Fernão Mendes, senhor de Bragança! Ouviu-se uma salva de palmas e o Braganção, que bebera de mais, enrolou na fala, quando ergueu o vaso na direcção da rainha. Trôpego, ainda quis saudar a futura esposa, mas Gonçalo Sousa colocou-lhe à frente mais um vaso de vinho, o que o acalmou imediatamente. Então, dona Teresa prosseguiu: Anuncio igualmente outro augusto casamento religioso, de um dos mais importantes nobres do nosso Condado!

Afonso Henriques sentiu o nervosismo a crescer, pois pensou que a mãe se referia a Paio Soares. Na véspera, numa secreta conversa que tinham tido ao final da tarde, dona Teresa mostrara-se irritada com o amuo do antigo alferes, julgando-o uma desconsideração, e dissera ao filho que estava adiado qualquer plano de casamento que lhe houvesse ocorrido para o seu novo mordomo-mor. Mas Afonso Henriques temia que a mãe tivesse mudado de ideias, um desagradável hábito que mantinha há muitos anos, e só se tranquilizou quando a ouviu dizer: O estimado Egas Moniz, que tão bem tem educado o meu filho, irá casar-se com a bela Teresa Afonso de Celanova!

Houve novo aplauso geral e eu e meus irmãos juntámo-nos ao coro de felicitações ao nosso progenitor, que olhava para a noiva embevecido. Afonso Henriques sorriu, também feliz. Depois de ter sofrido com a morte de Dordia, que muito amava, o seu perceptor casaria agora com uma bela mulher. O encantamento justificava-se: Teresa era jovem, inteligente, recatada, e ainda por cima herdeira de territórios consideráveis. Dona Teresa fora esperta, dava a meu pai o que ele queria, mas dentro de um espaço onde ela também aspirava a mandar, a margem norte do rio Minho. Assim, meu pai jamais se passaria para o lado dos galegos, e o seu casamento tornava ainda mais forte a pretensão de dona Teresa de incluir essas terras nos seus domínios. Nem os portucalenses mais recalcitrantes negavam aquela argúcia. Mal se atenuaram as saudações aos nubentes, a rainha referiu que aquele não seria o único casamento na família Moniz. Nesse momento, dona Teresa olhou para mim e declarou: A melhor espada do nosso Condado, Lourenço Viegas, varão de Ribadouro, desposará Maria Gomes, filha de Gomes Nunes e de Elvira Peres Trava! Mais aplausos se ouviram e vi Chamoa levantar-se, emocionada, e correr a abraçar a coradíssima irmã. Também meu amigo Afonso Henriques me abraçou, dizendo-me: Assim será, como era vosso desejo!

Todos naquela sala apoiavam o meu casamento com Maria. Era uma união de um portucalense com uma Trava, mas não ia contra os interesses do Condado. O território de Toronho, ambicionado por dona Teresa, em teoria devia vassalagem a Afonso VII, mas na realidade girava na órbita portucalense. Embora na aparência formal estes dois últimos casamentos aumentassem o poder de dona Teresa e do Trava, que obviamente os patrocinara, a prazo mais longo eles eram também favoráveis às pretensões futuras de Afonso Henriques. A união com a Galiza era um desejo antigo da família, que remontava pelo menos ao conde Henrique, e mesmo tendo de aturar o Trava mais uns anos o Condado ficaria mais sólido e poderoso se lhe adicionassem as terras de Celanova e Toronho, Límia, Astorga e Zamora. Por isso, vi o príncipe sorrir, e ele disse-me mais tarde que, por momentos, chegou a sentir admiração pela mãe. Ela não só cumpria o prometido, como lhe desenhava um futuro deveras agradável». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa das Letras, LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.

Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT

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