Agora ou Nunca
«(…) Já o dia começava a querer
entrar na noite quando dom Duarte, com o seu séquito, entrou no lanço sul do
Castelo de São Jorge, depois de uma jornada inteira de Almeirim a Lisboa. Chegou
para se avistar com Henrique, mais nada o preocupa, apenas subtrairá do seu pensamento
a parte que compartilhará com a esposa. Para o aliviar, saiu ao seu encontro o único
ser humano capaz de lhe dar às pupilas a sua máxima expansão, incendiá-las de brilho.
Leonor, após um merecido intervalo entre partos, apresenta-se radiosa nos seus trinta
e poucos anos, um raio de luz, um clarão para os olhos do marido na tarde que
esmorecia na bela colina lisboeta.
Ao saltar do cavalo, ainda antes de
cumprimentar a esposa, trouxeram-lhe logo a notícia de que dom Henrique estava ausente.
Disfarçou mal a irritação, mas logo fez os possíveis por não deixar transparecer
esse desconforto. Vendo bem, até nem valia a pena. Determinado a ter uns momentos
de felicidade, nem sequer chegou a dar substância ao mundo de averiguações que o
seu cérebro lhe exigiu, porque assim que viu a silhueta da rainha a indignação
cedeu sem resistir ao exalar os odores perfumados que vinham dela.
Num requebro harmonioso, Leonor dobrou
o joelho direito até tocar o chão, e à aproximação da mão do esposo encostou-lhe
os lábios, demorando-se o tempo suficiente para Duarte sentir na pele o calor e
a humidade segregada pelo tecido finíssimo dos lábios aveludados. Este contacto,
na posição submissa em que se encontrava, terminaria com todos os maus pensamentos,
um reino de coisas abomináveis que não resistiam ao encontro poderoso daqueles olhos.
Faltava ouvir-lhe a voz para que tudo ficasse completo, o paraíso dentro do espaço
alargado do Castelo de São Jorge, ou no quarto de dormir, mais tarde, quando a paixão
não dispensasse alimento.
Meu senhor! Era já tempo que não
vos via e o contentamento que sinto da vossa chegada só vós sabeis, porque sentis
como o meu coração se sobressalta quando estais perto de mim. Palavras amáveis as
da rainha, insinuando um conjunto de propostas que só eles entendiam. Na vossa
ausência o tempo passa devagar, pasma, e o coração até aí tão sossegado, lazarento,
sem se ouvir, ganha fúria quando vos miro. Levantai-vos, senhora. Chegai até mim,
posto que qualquer trejeito do vosso rosto não quero perdê-lo, agora que já não
estou ausente e nada quero dispensar, retorquiu dom Duarte, afectuoso.
Terminada a recepção institucional,
com visíveis manifestações de carinho e ofertas de ternura de parte a parte, o
rei deixou a esplanada da fortaleza e dirigiu-se para o Paço Real, seguido pela
esposa , para logo fazer os últimos aprontos para a sua estada e encomendar a ceia.
A hora assim o exigia e Duarte pretendia descansar da jornada, incluindo a hora
em que se deitaria com a amada à luz insignificante das velas». In Jorge
Sousa Correia, O Mistério do Infante Santo, Clube do Autor, 2017, ISBN
978-989-724-407-0.
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