sábado, 18 de fevereiro de 2023

O Mistério do Infante Santo. Jorge Sousa Correia. «Meu senhor! Era já tempo que não vos via e o contentamento que sinto da vossa chegada só vós sabeis, porque sentis como o meu coração se sobressalta quando estais perto de mim»

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Agora ou Nunca

«(…) Já o dia começava a querer entrar na noite quando dom Duarte, com o seu séquito, entrou no lanço sul do Castelo de São Jorge, depois de uma jornada inteira de Almeirim a Lisboa. Chegou para se avistar com Henrique, mais nada o preocupa, apenas subtrairá do seu pensamento a parte que compartilhará com a esposa. Para o aliviar, saiu ao seu encontro o único ser humano capaz de lhe dar às pupilas a sua máxima expansão, incendiá-las de brilho. Leonor, após um merecido intervalo entre partos, apresenta-se radiosa nos seus trinta e poucos anos, um raio de luz, um clarão para os olhos do marido na tarde que esmorecia na bela colina lisboeta.

Ao saltar do cavalo, ainda antes de cumprimentar a esposa, trouxeram-lhe logo a notícia de que dom Henrique estava ausente. Disfarçou mal a irritação, mas logo fez os possíveis por não deixar transparecer esse desconforto. Vendo bem, até nem valia a pena. Determinado a ter uns momentos de felicidade, nem sequer chegou a dar substância ao mundo de averiguações que o seu cérebro lhe exigiu, porque assim que viu a silhueta da rainha a indignação cedeu sem resistir ao exalar os odores perfumados que vinham dela.

Num requebro harmonioso, Leonor dobrou o joelho direito até tocar o chão, e à aproximação da mão do esposo encostou-lhe os lábios, demorando-se o tempo suficiente para Duarte sentir na pele o calor e a humidade segregada pelo tecido finíssimo dos lábios aveludados. Este contacto, na posição submissa em que se encontrava, terminaria com todos os maus pensamentos, um reino de coisas abomináveis que não resistiam ao encontro poderoso daqueles olhos. Faltava ouvir-lhe a voz para que tudo ficasse completo, o paraíso dentro do espaço alargado do Castelo de São Jorge, ou no quarto de dormir, mais tarde, quando a paixão não dispensasse alimento.

Meu senhor! Era já tempo que não vos via e o contentamento que sinto da vossa chegada só vós sabeis, porque sentis como o meu coração se sobressalta quando estais perto de mim. Palavras amáveis as da rainha, insinuando um conjunto de propostas que só eles entendiam. Na vossa ausência o tempo passa devagar, pasma, e o coração até aí tão sossegado, lazarento, sem se ouvir, ganha fúria quando vos miro. Levantai-vos, senhora. Chegai até mim, posto que qualquer trejeito do vosso rosto não quero perdê-lo, agora que já não estou ausente e nada quero dispensar, retorquiu dom Duarte, afectuoso.

Terminada a recepção institucional, com visíveis manifestações de carinho e ofertas de ternura de parte a parte, o rei deixou a esplanada da fortaleza e dirigiu-se para o Paço Real, seguido pela esposa , para logo fazer os últimos aprontos para a sua estada e encomendar a ceia. A hora assim o exigia e Duarte pretendia descansar da jornada, incluindo a hora em que se deitaria com a amada à luz insignificante das velas». In Jorge Sousa Correia, O Mistério do Infante Santo, Clube do Autor, 2017, ISBN 978-989-724-407-0.

Cortesia de CdoAutor/JDACT

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