sexta-feira, 10 de fevereiro de 2023

Por Amor a uma Mulher. Domingos Amaral. «Nas horas seguintes, é provável que tenha adormecido, embalado pelo andar do animal e encostado a Gondomar. Só quando a madrugada chegou…»

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NOTA: Afonso Henriques, nascido em 1109, filho do conde Henrique e de dona Teresa, neto de Afonso VI de Leão e primo direito de Afonso VII. Tem uma relação amorosa com Elvira Gualter, da qual nasceram duas filhas, Urraca e Teresa Gualter; e outra com Chamoa Gomes, de quem tem dois filhos, Fernando e Pedro Afonso. Será reconhecido com rei de Portugal, em 1143, em Zamora.

Viseu, Domingo de Páscoa, Abril de 1126

«(… ) Depois, como se não quisesse falar mais sobre ela, disse ao rapaz que corresse, pois era possível que os homens de Gondomar ainda estivessem perto, e ele assim fez. Lançou-se estrada fora, passou pela estalagem e prosseguiu durante mais de uma légua. Quando estava quase a desistir, viu à sua frente uns vultos. O som dos seus apressados passos avisou-os, e viu-os a pararem à sua frente, temendo talvez um assalto. À medida que se aproximava, Ramiro contou quatro cavalos, mas só Gondomar estava sozinho no seu, os outros seis homens formavam duplas nos três cavalos restantes. Ouviu o velho de manto branco perguntar: Quem vem lá? Ramiro apresentou-se como filho bastardo de Paio Soares, dizendo que desejava juntar-se a eles. Intrigado, Gondomar questionou-o: Vosso pai conhece essa vontade? O rapaz pensou em mentir, mas decidiu não o fazer.

Sou bastardo, trata-me como um cão, ou uma besta de carga. Houve alguns sorrisos entre os homens, mas Gondomar recordou: Paio Soares é o novo mordomo-mor do Condado. Lembro-me de o ouvir dizer que precisava de vós. Não quero problemas. Regressai a Viseu. Se ele vos deixar vir, podereis ir ter connosco. Contrariado, Ramiro mordeu o lábio. Só precisa de mim para me bater. Gondomar não se comoveu com o queixume. Isso é entre vós. Dito isto, rodou o cavalo e os outros seguiram-no. O rapaz ficou a vê-los afastarem-se, desanimado, mas quando eles desapareceram no escuro decidiu continuar a segui-los. Manter-se-ia na peugada dos cavaleiros, pelo menos até chegarem a Coimbra, o que lhes levaria talvez dois dias. Estava determinado e, embora um pouco cansado da corrida, convencido de que o conseguiria, mas duas horas mais tarde nasceram-lhe dúvidas. Fazia muito frio, a noite ia alta, estava cheio de dores nas pernas e tinha muita sede. Os seus pés latejavam e, se não parasse, iria colapsar de fraqueza. Os cavaleiros continuavam à sua frente, a passo, e ele ouvia-os a falarem uns com os outros, crente de que não sabiam que os seguia. Estava errado. A dada altura, Gondomar parou e esperou que ele chegasse.

Vejo que sois teimoso, mas também resistente, disse. O cavaleiro da Terra Santa estendeu o braço e ofereceu-lhe um cantil com água. Depois de saciado, Ramiro agradeceu e declarou decidido: Não vou voltar para Viseu. Gondomar examinou-o e perguntou: Que idade tendes? Ramiro disse-lhe que tinha dezassete anos, e o velho murmurou: Idade suficiente para decidir pela vossa cabeça. Ao escutar esta mudança de opinião, o rapaz sorriu, animado, mas o cavaleiro avisou-o: Se Paio Soares se zangar, tereis de dizer a verdade, que é por vossa vontade que aqui estais, não por minha. Ramiro prometeu fazê-lo, embora tivesse a certeza de que tal não seria necessário. Com uma força inesperada para alguém da sua idade, Gondomar içou-o para o seu cavalo, e Ramiro sentou-se atrás dele na sela. Mal o animal recomeçou a andar, o rapaz sentiu um enorme alívio. Parecia que as pernas e os pés se distendiam e o seu corpo finalmente descansava.

Nas horas seguintes, é provável que tenha adormecido, embalado pelo andar do animal e encostado a Gondomar. Só quando a madrugada chegou é que espevitou e observou com atenção os restantes cavaleiros do grupo. Todos tinham um manto branco a cobri-los, usavam vestes modestas por baixo e pareciam homens de poucas posses. Um deles era muito grande, mas o seu companheiro de cavalo era o oposto, com o cabelo cortado rente, ao contrário dos outros, que usavam todos barba». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa das Letras, LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.

Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT

JDACT, Domingos Amaral, A Arte, Literatura,