quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Navegações Portuguesas: Parte VIII. Barca e Barinel

Cortesia de comhistoria


Com a devida vénia a Francisco Contente Domingues e ao Instituto-Camões, publico algumas palavras.

Barca
O termo «barca» ocorre na documentação portuguesa com tal profusão, em circunstâncias tão distintas, e durante um período de tempo tão alargado, que é possível afirmar a este propósito que na realidade não designa qualquer tipo de embarcação, com características distintivas identificáveis, tratando-se antes de um termo genérico em tudo equivalente a «navio». Todavia será possível adiantar que, de uma forma muito geral, este último se refere a embarcações de maior porte, sendo «barca» aplicado às de menor dimensão.
Na documentação dos séculos XII a XIX aparecem barcas de todas as dimensões e com todas as funcionalidades, desde a pesca, navegação fluvial e de cabotagem, até às barcas de passagem usadas para garantir o transporte de homens e mercadorias entre as margens dos rios. Nos documentos medievais Maria Alexandra Pico encontrou barcas de carga, de carreto (transporte), do condado, de congregar (que pescavam congros?), de mercadorias, de mercee (pesca), de passagem, de pescam pescar, pescado ou de pescadores, de sardinha, de sal (transporte de sal das marinas), ou taberneira, entre outras.

Cortesia de emam
Nos Descobrimentos a barca protagoniza as primeiras viagens de exploração ao longo da costa africana, sendo numa barca que Gil Eanes tenta passar pela primeira vez o Bojador, em 1433, vindo a consegui-lo no ano seguinte «Mas logo no ano seguinte o Infante fez armar outra vez a dita barca», Crónica dos Feitos da Guiné, cap. IX. Compreende-se que tivesse sido empregue uma embarcação pequena para a exploração de mares cujas condições de navegação eram desconhecidas, mas não é possível tirar daí mais quaisquer ilações quanto às suas características; nem sequer se tinha pano latino ou redondo, sendo muito provável que as houvesse (ou que as tivesse havido ao longo dos tempos) com estes dois tipos de velame. Por outro lado, certamente que as barcas mais pequenas tirariam partido de uma propulsão mista, empregando remos e velas.
Por fim, cumpre acrescentar que não se vê qualquer razão para crer que os termos «barca» e «barcha» pudessem designar embarcações de tipologia diferente, pois se trata, como é vulgar e se verifica em tantas circunstâncias diferentes (e não só relativas aos navios), de grafias diversas da mesma palavra. In Francisco Contente Domingues, Instituto Camões

Bibliografia:
  • PEDROSA, Fernando Gomes (coord.), Navios, Marinheiros e Arte de Navegar 1139-1499, Lisboa, Academia de Marinha, 1997;
  • PICO, Maria Alexandra Tavares Carbonell, A Terminologia Naval Portuguesa Anterior a 1460, Lisboa, Sociedade de Lingua Portuguesa, 1964.

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Barinel
Depois de ter fracassado uma primeira vez, em 1433, Gil Eanes foi exortado pelo Infante D. Henrique a tentar novamente a passagem do cabo Bojador, o que veio a conseguir em 1434. Voltando o navegador à presença do Infante deu-lhe conta do que vira, «e acabado assim o recontamento de sua viagem, fez o Infante armar um barinel, no qual madou Afonso Gonçalves Baldaia, que era seu copeiro, e, assim, Gil Eanes com sua barca» (Gomes Eanes de Zurara, Crónica dos Feitos da Guiné, cap. IX). O cronista João de Barros foi mais explícito quanto às razões que ditaram o aparecimento do barinel nas viagens de exploração: «O Anno seguinte de trinta e quatro, como o Infante estava informado por Gilianes da maneira da terra, e da navegação ser menos perigosa do que se dizia, mandou armar hum barinel, que foi o maior navio, que té então tinha enviado, por já estar fóra de suspeita, que se tinha dos baixios, e parcel, que diziam haver além do Cabo [Bojador]. A capitania do qual deo a Afonso Gonçalves Baldaya seu Copeiro, e em sua companhia foi Gilianes em sua barca» (João de Barros, Ásia, Década I, Livro I, cap. V).

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Para Barros, portanto, a questão é simples, afastado o receio de navegar para além do Bojador, apareceu ao lado da pequena barca uma embarcação de maior porte, capaz para viagens maiores. Mas, tal como acontece em relação à barca, estas descrições são insuficientes para que se conclua mais àcerca das características deste navio específico que o Infante D. Henrique mandou para Sul.
Por outras fontes, certifica-se a existência de barinéis entre o século XIV e os inícios do século XVI, altura a partir da qual parece ter caído em desuso em Portugal (segundo Gomes Pedrosa, será funcionalmente substituído pelo galeão). Pode ter sido uma embarcação de dimensões variáveis, com um, dois ou três mastros, mas empregando remos as mais pequenas, e há a assinalar a particularidade de um dos negociantes italianos que estavam em Lisboa aquando da chegada de Vasco da Gama, Girolamo Sernigi, ter escrito que a armada que fora à Índia era composta por 2 barinéis de 90 tonéis cada, e um de 50 (quando estes navios são normalmente designados por naus em outros testemunhos). Várias outras referências no período considerado dão conta do barinel ser sido empregue nas navegações de corso, de guerra e de comércio. In Francisco Contente Domingues, Instituto Camões.

Bibliografia
  • PEDROSA, Fernando Gomes (coord.), Navios, Marinheiros e Arte de Navegar 1139-1499, Lisboa, Academia de Marinha, 1997;
  • PICO, Maria Alexandra Tavares Carbonell, A Terminologia Naval Portuguesa Anterior a 1460, Lisboa, Sociedade de Lingua Portuguesa, 1964.
Cortesia do Instituto Camões/JDACT