domingo, 19 de setembro de 2010

José António Barreiros. Jorge Soutomaior: «Eu roubei o Santa Maria». Livro de revelações sensacionais e as negociações secretas conduzidas para a compra de torpedeiros que afundassem o «Vera Cruz», que um mês depois transportaria tropas para Angola

Cortesia de espacodememoria-patiodeletras


Com a devida vénia a Liliana, do Espaço de Memória/Pátio de Letras, a José António Barreiros e à Revista Actual do Expresso (18/9/2010), publico algumas palavras. 


José António Barreiros
Cortesia de eremiterio
O dia 22 de Janeiro do ano de 1961.

O Lançamento do livro está previsto para o pf dia  22 de Setembro, às 18h30  no Museu de Marinha, em Lisboa. A Apresentação no Pátio de Letras, em Faro, será no pf dia 2 de Outubro pelas 21h30 .
José António Barreiros, tradutor e prefaciador do livro de Jorge Soutomaior (de nome verdadeiro, José Hernandez Vásquez), o operacional galego que, com Henrique Galvão, comandou o assalto ao paquete de luxo Sta. Maria, ocorrido a 22 de Janeiro do ano de 1961.

«Já nas máquinas da tipografia, este livro, desconhecido até agora em Portugal, lança uma nova luz sobre muitas ideias feitas («à medida da oposição» ao regime de Salazar) relativamente a um episódio da nossa História da resistência à ditadura, ideias estas que encontram, aliás, expressão clara no filme de Francisco Manso a estrear ainda este mês, «Assalto ao Sta. Maria». In Liliana, Pátio de Letras.

Na Revista Actual do Expresso deste fim-de-semana, faz-se larga menção ao livro e acontecimentos históricos nele relatados.

Sinopse:
Livro de revelações sensacionais, «Eu roubei o Santa Maria» conta das negociações secretas conduzidas por Jorge Soutomaior e Álvaro Lins para a compra de torpedeiros que afundassem o «Vera Cruz», que um mês depois transportaria tropas para Angola. Acto que Galvão impediu.
«Tendo em conta a agitação subterrânea existente em Portugal, agudizada pela captura do Santa Maria, a tentativa no Vera Cruz e o descontentamento na Marinha, o Governo de Salazar estava obrigado a manter tropas suficientes na Metrópole. Por pouco que as colónias se movimentassem, ver-se-ia na necessidade de elevar os contingentes de recrutas, impor os maiores sacrifícios ao povo, pedir ajuda aos membros da OTAN e a Espanha, apoiando-se no Pacto Ibérico. Quer dizer: com o tempo poderia reunir forças suficientes para fazer frente, com êxito, à sublevação africana e eternizar a guerra. Daí que o MNI deveria ampliar na Metrópole a luta em todas as direcções, desenvolvendo a consciência popular contra a guerra colonial. Em linhas gerais era esta a concepção da minha estratégia, a qual foi aceite pelo DRIL e partilhada por um grupo importante de portugueses. Para tal fim, ajudado por Álvaro Lins e por um Capitão de Mar-E-Guerra brasileiro, iniciei negociações - sem o conhecimento de Galvão - para adquirir duas lanchas contra-torpedeiros de uma determinada potência europeia (…). Preço no lugar de construção: 362 000 dólares. Condições de entrega no lugar que indicássemos: compromisso escrito de que Portugal sairia da OTAN quando a oposição, dirigida por Galvão, subisse ao poder. (…) Um mês depois o Vera Cruz navegava pelo golfo da Guiné, transportando 1 500 soldados e equipamento para a guerra de Angola. O Vera Cruz teria sido afundado sem misericórdia; mas numa pequena enseada na Costa da Guiné não havia lanchas torpedeiras, por causa do Galvão».

Cortesia espacodememoria-patiodeletras

22 de Janeiro de 1961 - Assalto ao Santa Maria
«Na madrugada de 22 de Janeiro de 1961, o paquete de luxo Santa Maria, da Companhia Nacional de Navegação, é tomado de assalto em águas internacionais, nas Caraíbas, pelo comando único do Directório Revolucionário Ibérico de Libertação (DRIL), desencadeando a «Operação Dulcineia».
O projecto da «Operação Dulcineia», nome expressivo da luta da dama amada, a Liberdade, foi concebido pela DRIL, organização de resistência antifascista estruturada para a acção directa armada. Criada na Venezuela, em Janeiro de 1960, congregava exilados da União dos Combatentes Espanhóis, pelo lado espanhol, e do Movimento Nacional Independente, delgadista, pelo lado luso.
O plano da primeira iniciativa conjunta, congeminada pelo capitão Henrique Galvão (delegado plenipotenciário do general Humberto Delgado), consistia no desvio de um navio para ocupação da ilha espanhola de Fernando Pó, de onde se partiria para Angola rastilho de um levantamento insurreccional contra as ditaduras ibéricas. O dia D do embarque, inicialmente previsto para 14 de Outubro, foi por três vezes adiado, devido a imprevistos financeiros e pessoais. Finalmente a 20 de Janeiro de 1961, insinuam-se vinte operacionais, entre os seiscentos passageiros que embarcam no porto venezuelano de La Guaira, aos quais se juntarão, no dia seguinte, em Curaçao, os restantes quatro membros do comando operacional. A bordo vai ainda uma tripulação de trezentos e cinquenta indivíduos.
Na tomada do navio regista-se um único incidente, uma troca de tiros na ponte, resultando a morte de um oficial e no ferimento grave de um outro. A operação, contudo, restringe-se à sua primeira fase – a tomada do navio – em consequência da opção humanitária de evacuação de dois enfermos e também da divergência táctica entre os capitães Henrique Galvão e Jorge Sottomayor – comandantes dos grupos luso e espanhol, respectivamente – quanto à liderança da investida na ponte. Esta divergência determinou um contratempo, decisivo para a mudança de rota e saída do espaço caribenho durante essa noite, rumo a África. A revelação da acção, após dois dias e duas noites de incógnita, suscita uma contenda jurídica de direito internacional. O Governo português inicia uma campanha condenatória da empresa, apodando-a de “pirataria internacional” instigada pela conspiração comunista. Invoca as contrapartidas da NATO para pressionar os governos dos países aliados, como a França, Inglaterra e EUA, a agir em retaliação. Desde logo a França não adere ao pedido, mas a Inglaterra e os EUA, num primeiro momento convergem tacitamente, enviando vasos de guerra, e aviação para interceptar o navio sequestrado. A contestação da oposição trabalhista pressiona, contudo, a retirada britânica. Por outro lado, Kennedy, recém-eleito presidente dos EUA, apostado na mudança da política norte-americana para com Portugal, por causa da questão colonial, não dará ordem de abordagem do “Santa Liberdade” (novo nome do navio). Nas mensagens transmitidas via rádio, especialmente dirigidas à opinião pública norte-americana, Galvão sustenta uma atitude de beligerância política e apela à não ingerência de países terceiros.

Cortesia de avenidadaliberdade
O carácter surpreendente do fenómeno dá-lhe forte impacte mediático, aumentando extraordinariamente a sua repercussão internacional.
A tese de Salazar perdia terreno na cena mundial, e à condenação inicial sucede leitura politica dos acontecimentos favorável aos propósitos anti-ditatoriais dos ocupantes. De 27 a 31 de Janeiro decorrem negociações entre o comando rebelde e representantes de Kennedy para o desembarque dos passageiros, muitos deles norte-americanos. Permanece o navio ao largo do Recife, em águas internacionais, enquanto não cessa funções Kubitchek de Oliveira presidente brasileiro desfavorável às pretensões dos insurrectos.
O comando operacional recebera assessoria jurídica do embaixador Álvaro Lins e a promessa do futuro presidente do Brasil, Jânio Quadros, de apoio político. Só a 1 de Fevereiro, após o empossamento deste, se encetam conversações com os representantes brasileiros.
A 2 de Fevereiro dá-se o desembarque de passageiros e tripulação. O dia seguinte culmina com a adesão dos activistas a um acordo com as autoridades brasileiras para a entrega do navio ao Brasil em troca de asilo político.
A forte repercussão mundial dos propósitos políticos de Galvão, Delgado e seus companheiros e o isolamento externo a que se vê remetido o Governo de Lisboa no caso Santa Maria, deixam adivinhar, nesse Janeiro de 1961, o início de um ano critico para o regime, tanto no plano interno como no plano internacional
». In Avenida da Liberdade.

Fernando Rosas e José Maria Brandão de Brito
Dicionário da História do Estado Novo
Cortesia de avenidadaliberdade

Cortesia de Espaço de Memória/Pátio de Letras/José António Barreiros/ Revista Actual, Expresso/JDACT