Cortesia de olhares
Com a devida vénia a José Virgílio A. Pissarra e ao Instituto-Camões, publico algumas palavras.
Bergantim
O bergantim era o mais subtil e veloz dos navios de remo de traça europeia utilizados pelos portugueses. Equipava com dez a dezanove bancos, apenas com um remador, tendo raramente postiça. Os bergantins podiam ter coxia como os outros navios de remo, mas na maioria dos casos tinham bancos corridos, de bordo a bordo. Armavam com um ou dois mastros que podiam ser abatidos e que envergavam alternadamente pano redondo ou latino. Não era comum que tivessem arrombada de artilharia; a ordenança atribuída pelos oficiais no «Alardo de 1525» cifrava-se em sete peças: um falcão e seis berços.
Os bergantins eram navios muito rápidos e manobráveis e nos primeiros tempos da presença portuguesa no oriente tiveram o exclusivo das missões de ligação, reconhecimento e transporte táctico. Mais tarde, parte dessas funções passaram para os catures indianos, ainda mais ligeiros e sem dúvida mais baratos. Os portugueses do século XVI tinham o hábito de destacar um bergantim (pelo menos) para serviço de cada fortaleza importante, particularmente nas zonas onde a presença naval não era significativa nem permanente. Foi assim em Marrocos e na costa oriental de África. Na costa da Índia, a presença de uma grande armada dispensava este apoio nas grandes bases de Cochim e Goa. Nos outros portos, os navios de suporte podiam ser fustas, paraus e catures.
Cortesia de postaisportugal
Os bergantins portugueses podiam ser equipados com chusmas de bonasvolhas (remadores voluntários ou assoldados) exclusivamente portugueses, que garantiam prestações superiores e se podiam adicionar ao número dos combatentes. O bergantim era também uma embarcação de aparato e cerimónia, sendo um favorito de monarcas e grandes senhores. In José Virgílio Amaro Pissarra, Instituto Camões.
Bibliografia
- PEDROSA, Fernando Gomes (coord.), Navios, Marinheiros e Arte de Navegar. 1139-1499, Lisboa, 1997, pp. 63-65.
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Caravela
O termo caravela ocorre pela primeira vez na documentação portuguesa em 1255, encontrando-se ainda em 1754, numa obra impressa, e num manuscrito de 1766. É portanto fácil de compreender que encobre referências a múltiplas embarcações, desde a pequena caravela latina de um mastro até à caravela redonda ou de armada, passando pela caravela latina de dois mastros, que protagonizou as viagens de exploração atlântica até 1488, sem deixar porém de continuar a ser utilizada depois desta data em várias circunstâncias.
A caravela latina apareceu nos Descobrimentos em 1440, segundo atesta Zurara: «Bem é que no ano de 40 se armaram duas caravelas a fim de irem àquela terra [do Rio do Ouro], mas porque houveram acontecimentos contrários, não contamos mais de sua viagem» (Crónica dos Feitos de Guiné, cap. XI).
Tratar-se-ia da caravela com dois mastros de pano latino, uma coberta e um pequeno castelo de popa, com um só piso, com cerca de 50 tonéis de arqueação. Navio ideal para singrar em mares desconhecidos, pela facilidade com que bolinava (isto é, progredia em ziguezague contra o sentido dominante do vento), a caravela podia navegar junto à costa e entrar em embocaduras de rios: um navio adequado para a exploração marítima, portanto. Mas é também o maior navio até então empregue nas viagens de descobrimento, representando por isso a vantagem e necessidade de progredir para Sul com uma embarcação capaz de levar os tripulantes até mais longe, combinando uma autonomia adequada com as qualidades marinheiras que essas viagens exigiam.
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Foi por isso o navio empregue nestas viagens até Bartolomeu Dias dobrar o cabo da Boa Esperança. Mas é bem provável, como aventou Jorge de Matos, que o impedimento para a continuação da última viagem de Diogo Cão (terminada em 1486 ou 1487) tenha sido precisamente a falta de autonomia da caravela, agora patente pelo alongamento das explorações marítimas. Ou seja, o navegador ter-se-ia visto constrangido a voltar para trás, face a uma costa desértica (onde não tinha a certeza de poder reabastecer-se) e sem provisões que garantissem o retorno com segurança (sobretudo água potável). Em reforço desta explicação ocorre o facto de a armada de Bartolomeu Dias incorporar uma naveta para abastecimentos, que foi abatida uma vez cumprida a sua função, servindo de apoio às duas caravelas de exploração. Depois do regresso a Lisboa, em finais de 1488, os navegadores deram conta ao rei da sua impossibilidade de prosseguir a viagem por não terem navios fortes para enfrentar os «mares grossos» que encontraram; por isso Vasco da Gama levará naus na primeira viagem a fazer a ligação marítima com o Oriente, navios que, entre outras vantagens apresentavam uma capacidade de carga muito superior, e portanto maior autonomia nas viagens de longo curso. Na documentação técnica existem regimentos relativos à construção de outro tipo de caravelas: as caravelas redondas, um nome moderno que vingou na historiografia, pela mesma razão que se chamam redondos navios como a nau ou o galeão; ou seja, são navios que armam pano redondo, na realidade velas com formato trapezoidal, ganhando aquela designação pelo aspecto que tomam quando enfunadas pelo vento. Caravelas armadas ou de armada são designações de época, que indiciam a sua funcionalidade: caravela de armada significa quase sempre que se destinava à navegação em armada ou ao serviço de armadas.
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Existem regimentos para a construção de caravelas de 150 a 180 tonéis, de doze rumos e de onze rumos. Estas medidas apontam para tonelagens de 110 a 150 tonéis, no segundo caso, e de 100 a 125, no terceiro. Resulta daqui que caravelas redondas e caravelas latinas são tipos de navios distintos, encontrando no nome genérico o maior elo de ligação entre ambos. A caravela redonda possui castelos de popa e proa, ao contrário da latina, que não pode ter qualquer estrutura erguida sobre a proa do navio, por causa da manobra da verga do mastro do traquete. Deste ponto de vista, a caravela redonda está mais próxima das naus e galeões que da sua congénere latina. Acontece o mesmo quanto ao afilamento das linhas do casco, verificando-se que a relação entre o comprimento e a largura se situa entre os 3:1 e os 4:1, andando sensivelmente pelo meio (J. G. Pimentel Barata, "A Caravela", p. 36). Esta relação anda próxima da do patacho, navio de características semelhantes, e é ligeiramente superior à relação 3:1 estipulada pelos regimentos para os navios de 150 tonéis. A configuração da caravela redonda obedece à dos navios redondos em geral, tendo o casco mais afilado que os de porte superior, castelos de popa e proa com dois e um pavimentos, e duas cobertas. Arvorava quatro mastros, com pano redondo no traquete e latino nos restantes. É uma morfologia perfeitamente adequada à tonelagem e de acordo com as tendências que conhecemos para a evolução geral dos navios de vela desde o século XV, que registaram primeiro uma grande elevação das superestruturas, e vieram paulatinamente a diminuir de volume. Um outro aspecto estrutural que convém referir é o do esporão, que não existe na caravela redonda pelas mesmas razões que se aplicam ao galeão.
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Não existe qualquer indicação minimamente segura quanto à cronologia dos diversos tipos de caravelas, depois de estabelecida a primazia da latina de dois mastros nas navegações atlânticas da segunda metade de Quatrocentos. Pimentel Barata avançou a hipótese de a caravela latina de três mastros ter aparecido já pelos finais do século XV, embora só se documente pelo primeiro quartel da centúria seguinte. Teria já dois pavimentos à popa, tolda e chapitéu aberto à ré, e uma mareagem de grades à proa. Para a tonelagem avençou os 100 tonéis, o que parece ser perfeitamente razoável, dado o comprimento de quilha requerido para a implantação de três mastros. A caravela redonda ou de armada ter-lhe-ia sucedido pelo segundo quartel do século, tomando paulatinamente o lugar da forma anterior (Pimentel Barata, op. cit., pp. 30-31). Julgamos porém ser muito plausível que a caravela redonda tenha aparecido bem mais cedo, muito provavelmente com a viagem de Pedro Álvares Cabral.
A dimensão e forma do casco tornavam esta caravela incapaz como cargueiro para viagens de longa distância. Em contrapartida, o aparelho e as qualidades marinheiras adequavam-se a missões navais. Tanto nos quadros navais referidos como nas viagens para o Oriente, como elemento principal de combate ou no apoio aos navios de maior porte, a caravela redonda ou de armada foi verdadeiramente o primeiro navio criado para a guerra do alto mar, muito provavelmente logo desde a viagem de 1500 (F. Contente Domingues, "Os navios de Cabral", pp. 70-81).
Bibliografia
- BARATA, João da Gama Pimentel, "A Caravela", in Estudos de Arqueologia Naval, vol. II, Lisboa, IN-CM, 1989, pp. 13-53;
- BARKER, Richard, "Of caravels, tides and water", Studia, nº 54/55, 1996, pp. 101-125;
- DOMINGUES, Francisco Contente, Arqueologia Naval Portuguesa (Séculos XV e XVI). História, conceito, bibliografia, Lisboa, Edições Culturais da Marinha, 2003;
- IDEM, "Os navios de Cabral", Oceanos, nº 39, 1999, pp. 70-80;
- IDEM, Os Navios do Mar Oceano. Teoria e empiria na arquitectura naval portuguesa dos séculos XVI e XVII, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, 2004;
- ELBL, Martin Malcolm, "The portuguese caravel and european shipbuilding: phases of development and diversity", Revista da Universidade de Coimbra, vol. XXXII, 1986;
- FILGUEIRAS, Octávio Lixa, e BARROCA, Alfredo, "O caíque do Algarve e a caravela portuguesa", Revista da Universidade de Coimbra, tomo XXIV, 1971, pp. 405-441;
- FONSECA, Henrique Quirino da, A Caravela Portuguesa e a Prioridade Técnica das Navegações Henriquinas, Coimbra, Imprensa da Universidade, 1934. Reedição: com Comentário preliminar, notas e apêndices de João da Gama Pimentel Barata, 2 vols., Lisboa, Ministério da Marinha, 1978;
- MATOS, Jorge Semedo de, "A Caravela de Nuno Tristão. A Caravela de Descobrir", Revista da Armada, nº 298, 1997, p. 21;PIRES, António Tengarrinha, Caravelas dos Descobrimentos, 5 vols., Lisboa, Academia de Marinha, 1980-90;
- XAVIER, Hernâni Amaral, As Caravelas dos Descobrimentos. Um Guia para Professores destinado à preparação da visita à Caravela "Boa Esperança", Lisboa, CNCDP-Aporvela, 1997.
Cortesia do Instituto Camões/JDACT