segunda-feira, 7 de novembro de 2011

António Dias Dinis. Parte VII. O Infante D. Henrique e a Assistência em Tomar no Século XV: «A fim de alojar os feirantes e ainda pessoal seu, quando o infante por lá estivesse, aliviando assim os moradores da vila da aposentadoria, D. Henrique mandou edificar os estaus ou hospedaria pública da povoação, edifício grandioso, que deixou, inacabado, à Ordem de Cristo»

Cortesia de wikipediatravel

«Vimos acima como o Navegador adquiriu sete casas dos hospitais tomarenses de S. João e de Sant'Iago-o-Ve1ho, sitas na praça da vila, defronte da Igreja de S. João, para, no local das mesmas, instalar barracas destinadas aos feirantes. Porém, o infante não o fez defraudando aqueles hospitais, pois ficou a pagar aos mesmos determinada renda anual pelas ditas moradias, deduzida do rendimento do aluguer das barracas. À míngua do texto do contrato respectivo, temos as disposições testamentárias henriquinas a atestá-lo.

Em sua carta testamentária de 22 de Setembro de 1460, D. Henrique ordenou ao prior da Ordem em Tomar que mandasse arrecadar «todo o aluguer que, cada ano, se poder auer das casas e moradas que em a dicta mjnha feira estam, do quall elle mande, cada ano, pagar aos espritaaes que estam em a dicta villa quanto elle for bem çerto que pera os dictos espritaaes rrendiam ou podiam higualmente rrender as casas que tinham ali onde mandey fa [zer] a dicta feira. E o mais todo sse dospenda assy em as dictas mjssas». São as missas pelo infante mandadas rezar, ao princípio deste mesmo documento, à razão de 100 missas por cada marco de prata.

Cortesia de urbancsuohio

Temos de recorrer a texto do século XVI para sabermos qual o quantitativo pago aos hospitais dos tempos henriquinos e depois à Misericórdia local, sublinhando, porém, que erradamente se afirma aqui ter ele sido indicado pelo infante, em seu testamento, em cujas peças não figura:
  • Tijnha o dito espritall (agora da Misericórdia) ssete moradas de casas na praça desta ujlla, as quaaes o jfante dom Anrrique, que Deus, tem, mandou meter na casa da feira que elle mandou fazer na dita praça. A quall feira rrendia pera a capella que o dito jfante leixou. E deixou em seu testamento que, dali em diante, o proueador da dita capella pague, em cada huu ,anno, ao dito espritall seteçemtos rreaaes. E elrrey dom Manoell mandou desfazer a casa da dita feira e mandou fazer em praça e mandou ao sseu almoxarife desta vitlla que pague cadanno os ditos sseteçemtos rreaaes ao dito esprital. E asy os paga o dito allmoxarife em cada húu anno».
Conclusão:
  • 1. O infante D. Henrique, no intuito de engrandecer e nobilitar a sua vila de Tomar, então sede da Ordem Militar de Cristo, de que foi regedor e governador por autorização pontifícia nos anos de 1420 a 1460, solicitou e obteve de el-rei, seu pai, feira franca anual na dita vila, com privilégios excepcionais, sempre ambicionados pelas outras feiras do País;
  • 2. Para os feirantes montou barracas na praça principal da povoação, defronte da Igreja de S. João, de cujo aluguer pagava, anualmente, aos hospitais de S. João e de Santiago-o-Velho e depois aos que lhes sucederam 700 reais brancos pelas sete casas que, na mesma praça, lhes adquiriu para, em seu lugar, mandar construir as referidas barracas;

Cortesia de viagemnotempo
  • 3. A fim de alojar os feirantes e ainda pessoal seu, quando o infante por lá estivesse, aliviando assim os moradores da vila da aposentadoria, D. Henrique mandou edificar os estaus ou hospedaria pública da povoação, edifício grandioso, que deixou, inacabado, à Ordem de Cristo;
  • 4. Integrando-se, como bom cristão, no sistema assistencial da época aos pobres, o infante projectou fundar hospital seu em Tornar, para o que obteve de el-rei D. João I autorização para permutar suas terras de Reigada e Pereiro, em Riba-Coa, e casas que possuía em Lisboa por bens da Ordem de Cristo na vila nabantina, onde ele não tinha bens patrimoniais;
  • 5. Contudo, tendo el-rei D. Duarte, seu irmão, resolvido fossem reduzidos e fundidos os numerosos, pequenos e pobres hospitais das povoações do País, para maior eficiência dos mesmos, não só o Navegador prescindiu da sua aludida fundação pessoal em Tomar, como a ele se deve a redução dos catorze hospitais então ali existentes a quatro, reforma assistencial que se manteve na vila até à criação da Misericórdia local por el-rei D. Manuel, no ano de 1510;
  • 6. Havendo desistido da permuta de bens acima referida com a ordem de Cristo e da pessoal fundação hospitalar em Tomar e, depois de obter de Roma, em 1434, a anexação à dita Ordem dos bens que a de Alcântara, castelhana, houvera em Portugal e de que faziam parte as terras de Reigada e Pereiro, D. Henrique veio a doar não só aquelas como também as suas citadas casas de Lisboa à ordem Militar de Cristo, em data e por documento desconhecidos».
In A Pobreza e a Assistência aos Pobres na Península Ibérica durante a Idade Média, Instituto de Alta Cultura, Centro de Estudos Históricos, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1974.

Cortesia de Imprensa Nacional-Casa da Moeda/JDACT