quarta-feira, 3 de outubro de 2012

O Crepúsculo da Idade Média em Portugal. António José Saraiva. «O códice devia ser ilustrado com figuras representativas dos trovadores, jograis e cantadeiras-bailadeiras que colaboravam na execução das composições. Teria tomado por modelo o luxuoso códice das Cantigas de Santa Maria…»

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«Foi nesta corte, e também na de Afonso X, que se criou o rei Dinis, colaborador dos cancioneiros, um dos nossos melhores poetas de todos os tempos, mecenas e protector da Universidade Veremos que no seu tempo se traduziu do árabe a Crónica do Mouro Rasis, provavelmente uma iniciativa entre outras esquecidas ou perdidas. Os filhos do monarca Dinis imitaram o exemplo paterno:
  • O bastardo Afonso Sanches foi trovador;
  • outro bastardo, Pedro, conde de Barcelos, também poeta, possuiu um Livro das Cantigas, provavelmente um códice precioso, pois que o legou ao rei de Castela; 
  • compilou e redigiu certamente em parte o 3º Livro de Linhagens e a ele se deve o maior monumento de prosa portuguesa antes de Fernão Lopes, a Crónica Geral de Espanha de 1344, obra há poucos anos ressuscitada.
Da Crónica do Condestabre de Portugal (obra que se pode datar de 1432 ou 1433) consta que Nun'Álvares era entusiasta dos romances do Graal e Fernão Lopes atesta-nos a grande popularidade do ciclo arturiano, conservado na roda dos companheiros de João I. Na biblioteca do rei Duarte I encontram-se várias obras que datam seguramente desta era literária inaugurada pelo Bolonhês, como o Livro das Trovas de EI-Rei D. Dinis, a Crónica de Espanha (talvez a do conde de Barcelos), o Livro de Tristão, o Merlin, O Livro de Galaaz (obras do ciclo arturiano).

Os cancioneiros
De fins do reinado de Afonso III data um códice de luxo onde foram copiadas as composições em verso dos poetas da corte. Não sabemos onde nem quem tomou a iniciativa de o encomendar. O códice devia ser ilustrado com figuras representativas dos trovadores, jograis e cantadeiras-bailadeiras que colaboravam na execução das composições. Teria tomado por modelo o luxuoso códice das Cantigas de Santa Maria, ou outro no género, caligrafado e iluminado a primor por ordem do sogro de Afonso III, Afonso X-o-Sábio, de Castela. Porventura este mesmo o teria mandado fazer aos seus artistas de Toledo.
Este códice, o Cancioneiro da Ajuda, reúne as composições de poetas portugueses, galegos e outros espanhóis anteriores aos fins do reinado de Afonso III e conservadas até então em rolos ou cadernos.
O códice ficou interrompido, com espaços por preencher e páginas por acabar; perdeu-se-lhe depois o rasto e no século XIX foi encontrado por Alexandre Herculano na Biblioteca da Ajuda, maltratado e mutilado, dando testemunho de que o interesse pelas Musas não desapareceu, porém, com o códice perdido. O Livro das Cantigas, outro códice mencionado no testamento do conde de Barcelos, continha talvez as poesias do Cancioneiro da Ajuda, mais outras que este excluiu e ainda as que foram compostas posteriormente (até cerca de 1350), por poetas de toda a Península, em galego-português. É, quem sabe! A fonte mais ou menos directa de duas cópias do século XVI feitas na Itália e que chegaram até nós». In António José Saraiva, O Crepúsculo da Idade Média em Portugal, Gradiva Publicações, Lisboa, 1998, ISBN 972-662-157-7.

Cortesia de Gradiva/JDACT