«Foi nesta corte, e também na de Afonso X, que se criou o rei Dinis, colaborador
dos cancioneiros, um dos nossos melhores poetas de todos os tempos, mecenas e
protector da Universidade Veremos que no seu tempo se traduziu do árabe a Crónica do Mouro Rasis, provavelmente
uma iniciativa entre outras esquecidas ou perdidas. Os filhos do monarca Dinis
imitaram o exemplo paterno:
- O bastardo Afonso Sanches foi trovador;
- outro bastardo, Pedro, conde de Barcelos, também poeta, possuiu um Livro das Cantigas, provavelmente um códice precioso, pois que o legou ao rei de Castela;
- compilou e redigiu certamente em parte o 3º Livro de Linhagens e a ele se deve o maior monumento de prosa portuguesa antes de Fernão Lopes, a Crónica Geral de Espanha de 1344, obra há poucos anos ressuscitada.
Da Crónica do Condestabre de
Portugal (obra que se pode datar de 1432 ou 1433) consta que Nun'Álvares
era entusiasta dos romances do Graal e Fernão Lopes atesta-nos a grande
popularidade do ciclo arturiano, conservado na roda dos companheiros de João I.
Na biblioteca do rei Duarte I encontram-se várias obras que datam seguramente
desta era literária inaugurada pelo Bolonhês, como o Livro das Trovas de EI-Rei D. Dinis, a Crónica de Espanha (talvez a do conde de Barcelos), o Livro de Tristão, o Merlin, O Livro de Galaaz
(obras do ciclo arturiano).
Os cancioneiros
De fins do reinado de Afonso III data um códice de luxo onde foram
copiadas as composições em verso dos poetas da corte. Não sabemos onde nem quem
tomou a iniciativa de o encomendar. O códice devia ser ilustrado com figuras
representativas dos trovadores, jograis e cantadeiras-bailadeiras que
colaboravam na execução das composições. Teria tomado por modelo o luxuoso
códice das Cantigas de Santa Maria,
ou outro no género, caligrafado e iluminado a primor por ordem do sogro de
Afonso III, Afonso X-o-Sábio, de Castela. Porventura este mesmo o teria mandado
fazer aos seus artistas de Toledo.
Este códice, o Cancioneiro da
Ajuda, reúne as composições de poetas portugueses, galegos e outros
espanhóis anteriores aos fins do reinado de Afonso III e conservadas até então
em rolos ou cadernos.
O códice ficou interrompido, com espaços por preencher e páginas por
acabar; perdeu-se-lhe depois o rasto e no século XIX foi encontrado por
Alexandre Herculano na Biblioteca da Ajuda, maltratado e mutilado, dando
testemunho de que o interesse pelas Musas não desapareceu, porém, com o códice
perdido. O Livro das Cantigas, outro
códice mencionado no testamento do conde de Barcelos, continha talvez as
poesias do Cancioneiro da Ajuda, mais
outras que este excluiu e ainda as que foram compostas posteriormente (até
cerca de 1350), por poetas de toda a Península, em galego-português. É, quem
sabe! A fonte mais ou menos directa de duas cópias do século XVI feitas na Itália
e que chegaram até nós». In António José Saraiva, O Crepúsculo da Idade Média
em Portugal, Gradiva Publicações, Lisboa, 1998, ISBN 972-662-157-7.
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