segunda-feira, 1 de outubro de 2012

‘Tamtas Cousas Notaveis Pera Escrever’. Relações de poder e perfis ideais na Crónica do conde Pedro de Meneses de Gomes Eanes de Zurara (1385 - 1460). Daniel Arpelau Orta. «A importância de tal abordagem está no entendimento das práticas políticas e dos valores culturais ibéricos no século XV. Argumentos como combate do muçulmano através da fé cristã, lealdade régia, e exemplaridade de comportamento…»


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«O cargo de guarda-mor da Torre do Tombo exercido por Zurara englobava todas estas funções sendo, portanto, um conhecedor das informações para a escrita de seus textos sob pedido do rei, como possivelmente de obras e escritos sobre História. Ainda que não se tenham informações biográficas e de sua formação intelectual, entende-se que fora instruído para exercer o cargo, com habilidades características.
Com acesso às demais obras do referido cronista, observou-se uma continuidade dos objetivos e valorações, mas se na primeira crónica o rei e seus filhos têm o protagonismo das decisões, nas demais se observa a preponderância dos nobres que ficaram no norte da África, a começar pelos títulos pessoais. Provavelmente esta mudança tenha relação com o contexto de solicitação e ênfase de escrita, o que esta pesquisa busca identificar. Estas foram escritas na sequência e seus conteúdos ainda se remetem ao ambiente africano. A segunda crónica chama-se “Crónica dos feitos de Guiné, tem por conteúdo um longo panegírico a Henrique, infante colocado como grande incentivador das viagens marítimas.
Outra parte do mesmo texto ocupa-se da narrativa minuciosa das expedições realizadas na costa atlântica, das personagens e interacção com a população local. Seu conteúdo se aproxima mais da crónica anterior do que viria a escrever em seguida.
Na Crónica do conde Pedro de Meneses, o autor retorna ao contexto de Ceuta, mas para descrever as principais acções após a conquista e sob a capitania de Pedro de Meneses. Trata-se de um texto dividido em dois livros, com descrições heterogéneas dos diversos grupos que ali ficaram. Na última crónica existente de Zurara, nomeada de Crónica do conde Duarte de Meneses, filho ilegítimo de Pedro, o autor faz a continuação dos relatos, mas sobre um período mais próximo de sua escrita. Leva-se em consideração a participação e interacção do capitão Duarte junto com o rei Afonso V. Estas três crónicas foram escritas entre as décadas de 1450 e 1460. Optou-se nesta pesquisa pelo estudo da crónica do primeiro governador de Ceuta, por existir uma inflexão em relação às anteriores, principalmente pela atenção dada ao grupo nobiliárquico.
Outra observação paralela do conjunto cronístico foi a atenção para o contexto ibérico, pois em certa medida sua circunstância cultural e política permitiu o interesse para que houvesse a opção de Ceuta, fruto de ambições e valores ideológicos, e sua recuperação em forma de crónica posteriormente. Assim, avalia-se a documentação em dois recortes temporais, e não somente ao seu conteúdo. Note-se também que na corte avisina a produção de textos doutrinais como, por exemplo, o Leal Conselheiro do rei Duarte e Virtuosa Benfeitoria do infante Pedro, sinalizam para o interesse intelectual de demonstrar valores e virtudes, como marcos identitários e hierárquicos.
A relevância deste estudo encontra-se na potencialidade de analisar acções nobiliárquicas em relação com o poder régio português, e no foco específico do comportamento descrito nas crónicas de Zurara. Note-se que tais práticas foram levadas a cabo no contexto onde o carácter personalista era predominante, que permite justamente tais acções socialmente reconhecidas serem um parâmetro interessante para o estudo sociopolítico. Lembre-se que o critério pessoal, portanto, era a forma de vinculação usual, e as posturas segmentadas nos documentos possibilitam sua interpretação. A documentação apresenta-se farta de tais condutas, em níveis diversos, o que permite o entendimento social e histórico de tais práticas, assim como o relacionamento entre os estratos sociais. A situação que envolve migração de espaço permite, igualmente, entender se tal mudança foi proveitosa e acrescentou benefícios aos adeptos.
A importância de tal abordagem está no entendimento das práticas políticas e dos valores culturais ibéricos no século XV. Argumentos como combate do muçulmano através da fé cristã, lealdade régia, e exemplaridade de comportamento podem ser interpretados através de alianças e benefícios materiais e simbólicos, em relação de poder e, consequentemente, na composição sociopolítica. Tem-se a hipótese de que tais textos historiográficos compunham um instrumento político de afirmação de privilégios e memória a ser valorizada, e a análise do corpo documental auxilia na definição de perfil político em contexto marcado pela saída de ibéricos em busca de espaços para o exercício do poder, o que permite o entendimento dos móveis ultramarinos através da migração nobiliárquica. Lembre-se, outrossim, que os valores culturais são importantes para a compreensão das atitudes analisadas, sendo suas acções não apenas respostas directas a estímulos voluntários a anseios de poder. Procura-se, pois, situar historicamente a actuação analisada imersa de valores simbólicos e imagéticos aceitos naquela sociedade». In Daniel Augusto Arpelau Orta, ‘Tamtas Cousas Notaveis Pera Escrever’. Relações de poder e perfis ideais na Crónica do conde Pedro de Meneses de Gomes Eanes de Zurara (1385 - 1460), Universidade do Paramá, Programa de Pós-Graduação em História, Biblioteca de Ciências Humanas e Educação, 2010.

Cortesia de U. do Paraná/JDACT