domingo, 25 de abril de 2010

Lendas: A «Lady Godiva» na Idade Média

«Lady Godiva» é uma lenda inspirada numa personagem real. Godiva foi esposa do Conde Leofric, que em 1043 fundou a ordem de São Bento, em Coventry. Godiva é a única mulher a ter o seu nome registado num livro da época como dona de terras. Viúva de Leofric, teria morrido em 10 de Setembro de 1067. A lenda marca o ideal medieval, o ascetismo a vencer o luxo, o sacrifício do corpo e da moral em nome do bem dos cristãos. Ao caminhar nua em cima de um cavalo, a lenda de Lady Godiva mescla o pudor religioso da Idade Média com as lendas profanas dos gregos antigos, fazendo dela uma narrativa sublime.

Cortesia de commons.wikimedia
Em Coventry vivia-se um tempo difícil. O Sol não aquecera os pomares, fazendo com que as azeitonas e as vinhas não produzissem o suficiente para que se fizesse com fartura o azeite e o vinho. A miséria do povo era tão latente quanto à modéstia de jóias que as mulheres da nobreza traziam sobre o corpo, ou as vestes modestas que faziam dos seus habitantes os menos abastados de toda a Inglaterra.
Como se não bastasse a penúria vivida, a insatisfação assolava os habitantes, cada vez mais empobrecidos pelos altos impostos cobrados pelo conde Leofric, senhor absoluto daquele feudo. Grande parte do alimento colhido naquela estação ingrata, saía da boca do povo para o pagamento dos impostos ao nobre senhor. A fome pairava afoita pelas casas, pelos campos, por Coventry.

O conde Leofric era casado com uma das mulheres mais belas de toda a Inglaterra. Lady Godiva era serena, cabelos sedosos, longos e dourados como os raios do sol. Os olhos eram azuis como o mar, traziam uma expressão de infinito que seduzia ao marido e todos os súbditos em volta. Lady Godiva era de uma bondade imensa. Servos e escravos eram tratados por ela com dignidade. Não se furtava da caridade e de ajudar aos desvalidos e desprovidos da grandiosidade da vida e da sua opulência secular.
Um dia, os servos trouxeram diante do conde um camponês que fora apanhado a roubar nabos da horta de Leofric. Levado diante do conde, o infeliz declarou que cometera aquela imprudência extrema por não ter nada para comer, que os últimos grãos que colhera foram usados para pagar os impostos devidos. Os cinco filhos pequenos choravam de fome, atormentando-o toda a noite. Ao ouvir os relatos do infeliz, Lady Godiva comoveu-se, convenceu o marido a não punir o infeliz, fornecendo ainda, alimentos para os seus filhos. Mesmo irritado, o conde acedeu com a bondade infinita da mulher.

Cortesia de troglopundit.wordpress
Depois dos acontecimentos, Lady Godiva andou por todos os cantos de Coventry. Montada no seu cavalo atravessou as muralhas, rondando por toda a parte. Descobriu que a fome assolava o lugar. Que grande parte dos alimentos colhidos iriam para os impostos do conde. Compadecida com o sofrimento daquele povo, Lady Godiva prometeu a si mesma intervir e a ajudá-lo.
Quando regressou ao castelo, encontrou o marido no estábulo, a supervisionar a alimentação das bestas. Lady Godiva desceu do seu cavalo. A respiração arfava de cansaço. Mesmo assim, encontrou forças para contar ao marido da tristeza e miséria que se abatia sobre Coventry. Falou com tanta ênfase que as lágrimas afloraram-lhe os olhos, derramando-se sobre as faces. O conde ouviu a mulher, que lhe implorava para que diminuisse os impostos. Não se deixou comover, mas as lágrimas da esposa, a sua veemência em defender os oprimidos, fizeram com que Leofric tentasse um ardil. Usando da sua inteligência sarcástica, esboçou um sorriso irônico e disse à mulher:

«Muito bem, já que insistes tanto na defesa deste povo, comovendo-me com as lágrimas que destroem a cor do céu dos teus olhos, concedo-te o pedido. Mas para que se realize, imponho-te uma condição, que a próxima vez que fores cavalgar, tu o faças sem roupas, completamente nua pelas ruas de Coventry». Perguntou ela, «Tenho a tua palavra de que se o fizer, irás cumprir a promessa?». Ele replicou, «Minha amada, se cavalgares nua pelas ruas de Coventry, não só abaixarei os impostos, como perdoarei a dívida aos mais necessitados». Finalmente, ela exclamou, «Que assim seja feito».
Leofric sorriu para a mulher. A promessa fora-lhe fácil fazer, difícil seria Lady Godiva cumprir a condição que impusera. Estava confiante de que ela desistiria e, ao sentir-se culpada, deixar-lhe-ia em paz com aquelas lamúrias.
Lady Godiva tinha no coração uma bondade maior do que qualquer moral estabelecida pela mesquinhez dos homens. Lady Godiva mandou que os seus servos avisassem ao povo do seu sacrifício para salvá-los dos impostos e da fome. Pediu que durante a sua cavalgada penitente, todos os moradores deixassem as ruas e que se fechassem nas suas casas. Comovido com a grandiosidade de Godiva, o povo de Coventry aceitou atender-lhe o pedido.
Deste modo, Lady Godiva desafiou a ironia e mesquinhez do marido. Despiu as vestes no estábulo, montou, completamente nua o seu belo cavalo. Cavalgou por todas as ruas de Coventry de cabeça erguida, sem que ninguém ousasse observá-la. Somente Jack, o moleiro, não resistiu de contemplar tamanha beleza helénica. Contrariando a todos os moradores, abriu uma fresta da janela da sua casa. Ao olhar tamanha beleza nua a desfilar pelas ruas, viu uma grande luz sobre os seus olhos. Tinha ficado cego para sempre.

Ao regressar da cavalgada, Lady Godiva encontrou o conde à espera. Comovido, ele vestiu as roupas à mulher, depois ajoelhou-se aos seus pés, reafirmando a palavra dada. Levantou-se e beijou a mulher. Leofric retirou os impostos altos dos ombros do seu povo. Naquele ano as colheitas foram abundantes em Coventry. O azeite jorrou nos lagares, o trigo transformou-se em pães quentes sobre as mesas e o vinho abençoou as refeições. Lady Godiva passou a ser amada pelo seu povo, até mesmo por Jack, o moleiro, que depois da luz da nudez da mulher sobre o cavalo, não viu mais nada na vida.

Estátua de Lady Godiva no centro de Coventry
Wikipédia
Godiva foi imortalizada num poema de Alfred, Lord Tennyson. Os Queen cantaram a Lady Godiva na música «Don´t Stop me Now».
Cortesia da Wikipédia, contoselendasmedievais, Grande Livro das Lendas Medievais e algumas pinceladas de Jeocaz/JDACT

Sem comentários:

Enviar um comentário