sábado, 7 de agosto de 2010

Eugénio de Andrade: Parte II. Contemporâneo dos movimentos neo-realista e surrealista. Propondo uma poesia elementar, cuja musicalidade só encontra precedentes na nossa lírica medieval, ou num poeta como Camilo Pessanha, que Eugénio de Andrade assume, a par de Cesário Verde, como um dos seus mestres

Cortesia de omarmequer

Labirinto ou Alguns Lugares de Amor
O outono
por assim dizer
pois era verão
forrado de agulhas

a cal
rumorosa
do sol dos cardos

sem outras mãos que lentas barcas
vai-se aproximando a água

a nudez do vidro
a luz
a prumo dos mastros

os prados matinais
os pés
verdes quase

o brilho
das magnólias
apertado nos dentes

uma espécie de tumulto
as unhas
tão fatigadas dos dedos

o bosque abre-se beijo a beijo
e é branco
Eugénio de Andrade, in «Véspera da Água»

As Frágeis Hastes

Não voltarei à fonte dos teus flancos
ao fogo espesso do verão
a escorrer infatigável
dos espelhos, não voltarei.

Não voltarei ao leito breve
onde quebrámos uma a uma
todas as frágeis
hastes do amor.

Eis o outono: cresce a prumo.
Anoitecidas águas
em febre em fúria em fogo
arrastam-me para o fundo.
Eugénio de Andrade, in «Obscuro Domínio»

Cortesia O Citador/JDACT