Cortesia de edicoescolibri
Com a devida vénia a Jorge de Oliveira e Ana Cristina Tomás.
«Sem excepções, as forcas eram montadas ou construídas sempre fora do espaço urbano, num local bem visível. Esta visibilidade tanto o era em direcção ao espaço urbano, como em relação à principal via de acesso à povoação. Mais intimidatória seria a suspensão, às vezes ao longo de todo um ano, de um qualquer condenado a «morte perpétua», podendo apresentar pendurada do seu corpo alguma legenda informando do crime cometido. Torna-se interessante ressalvar a posição estratégica das forcas nas povoações da raia. Em Marvão, Ouguela, Campo Maior e Elvas, as forcas estavam implantadas em cabeços, dando vistas para Espanha, claramente com um duplo intuito de intimidar, quer os autóctones, quer os que de fora viessem. Contudo, a selecção de um outeiro para a implantação da forca parece, igualmente, estar relacionada com preceitos religiosos, à semelhança do Golgota, outeiro das caveiras, em Jerusalém. No monte mais alto, o das oliveiras, estará a paz, isto é, a povoação, no outro mais baixo, o outeiro, ou Golgota, estará a justiça, isto é, a forca.
Forca antiga de Portalegre
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Não será por acaso que a maioria dos cerros onde se implantaram as forcas são denominados por outeiros e muito raramente cabeços, ou montes, que significam colina mais elevada. Mas a estratégia de implantação das forcas não se prendia unicamente com estes aspectos. Outro, não menos importante, também não era descurado. Referimo-nos à orientação dos ventos predominantes. Procuravam-se locais onde os ventos fossem tendencialmente opostos à localização do centro urbano, por forma a que os odores dos corpos em decomposição não fossem arrastados para o interior da povoação. Reparámos, enquanto visitámos todos os locais com forca do distrito de Portalegre, que, pelo menos na altura da nossa visita, os ventos faziam sentir-se sempre em direcção contrária à localização do espaço urbano, evidenciando-nos como essa preocupação estava presente na altura da escolha do local para a construção da forca.
Forca de 3 pilares de Portalegre, levantada em 1704
Cortesia de edicoescolibri
Nas forcas de dois pilares em alvenaria que ainda se conservam observa-se um orifício em cada um dos pilares, sensivelmente a meia altura. Estas aberturas, que, por exemplo, na de Cabeço de Vide, são tão profundas quanto a espessura do pilar, destinar-se-iam a receber, encaixada e deslizante, uma simples estrutura de madeira onde o condenado era colocado enquanto atavam o «baraço» ao mastro. Quando o condenado já se encontrava sujeito pelo pescoço, essa estrutura de madeira, tipo cadafalso, era retirada bruscamente, provocando a queda no vazio e, consequentemente, a morte do justiçado. Contudo, considerando a altura média das forcas conhecidas, a morte não se processava por fractura das vértebras cervicais mas sim por estrangulamento, implicando uma agonia muito prolongada.
Reconstrução da forca de 2 pilares com patíbulo móvel
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O espectáculo da morte, obrigou que os condenados subissem à forca vestidos com o «saco». Naturalmente que, assim, o espectáculo perdia interesse. Contudo, os crentes na eficácia medicinal dos despojos dos enforcados encontraram outra forma de obter tais efeitos. Após a morte do condenado, pedaços do «saco» que o envolveu durante o suplício passaram e ser regateados, sendo, obviamente, muito mais procurados aqueles que pertenciam à parte inferior da veste. Em Portugal, na memória popular. encontramos alguns relatos semelhantes, sobretudo, os relacionados com os efeitos protectores que partes do «baraço» de um condenado tinham, quando suspensos de um fio e encostados ao peito do seu portador. A propósito deste tema, Leite de Vasconcelos, nas suas Religiões da Lusitânia, descreve outras superstições relacionadas com o poder curativo e protector de partes dos ossos dos condenados à morte pela forca.
Forca do Crato, em 1620, segundo Tinoco
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Na sequência da Revolução Francesa, o tema da morte mereceu atenção especial por, parte dos revolucionários e provocou a invenção da guilhotina, como suposto sistema indolor de morte. Foi na década de trinta do século XIX que as novas forcas, entretanto levantadas em Portugal, passarem e ser muito mais altas, por forma a que o condenado não morresse por asfixia mas por fractura do pescoço, geralmente da terceira vértebra cervical. São, então, introduzidas em Portugal forcas em L invertido, sobrepostas a um patíbulo alto, com cadafalso. Não se trata, contudo, de uma invenção do século XIX, elas já aparecem representadas em gravuras medievais, mas, com altura inferior e sobretudo vulgarizadas em Inglaterra e noutros países do Norte da Europa. Em Portugal, felizmente que estas forcas, passados pouco mais de trinta anos, também deixaram de ser utilizadas, especialmente para os civis, mantendo-se em vigência na justiça militar por mais alguns anos». In Jorge de Oliveira e Ana Cristina Tomás, As Forcas do distrito de Portalegre, edições Colibri, Novembreo de 2007, ISBN 978-972-772-767-4 (obra ofertada por JC e SB em Agosto de 2008).
A forca de Cabeço de Vide
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A amizade de JC, SB e CM.
Cortesia de Edições Colibri/JDACT